Texto 1: trecho do capítulo VIII
Eram quase nove horas quando a campainha retiniu com pressa. Julgou que seria Joana de volta; foi abrir com um castiçal — e recuou vendo Juliana, amarela, muito alterada. — A senhora faz favor de me dar uma palavra? Entrou no quarto atrás de Luísa, e imediatamente rompeu, gritando, furiosa: — Então a senhora imagina que isto há de ficar assim? A senhora imagina que por o seu amante se safar, isto há de ficar assim? — Que é, mulher? — fez Luísa, petrificada. — Se a senhora pensa, que por o seu amante se safar, isto há de ficar em nada? — berrou. — Oh, mulher, pelo amor de Deus!... A sua voz tinha tanta angústia que Juliana calou-se. Mas depois de um momento, mais baixo: — A senhora bem sabe que se eu guardei as cartas, para alguma coisa era! Queria pedir ao primo da senhora que me ajudasse! Estou cansada de trabalhar, e quero o meu descanso. Não ia fazer escândalo; o que desejava é que ele me ajudasse... Mandei ao hotel esta tarde... O primo da senhora tinha desarvorado! Tinha ido para o lado dos Olivais, para o inferno! E o criado ia à noite com as malas. Mas a senhora pensa que me logram? — E retomada pela sua cólera, batendo com o punho furiosamente na mesa: — Raios me partam, se não houver uma desgraça nesta casa, que há de ser falada em Portugal! — Quanto quer você pelas cartas, sua ladra? — disse Luísa, erguendo-se direita, diante dela. Juliana ficou um momento interdita. — A senhora ou me dá seiscentos mil réis, ou eu não largo os papéis! — respondeu, empertigando-se. — Seiscentos mil réis! Onde quer você que eu vá buscar seiscentos mil réis? — Ao inferno! — gritou Juliana. — Ou me dá seiscentos mil réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu marido há de ler as cartas! Luísa deixou-se cair numa cadeira, aniquilada. — Que fiz eu para isto, meu Deus? Que fiz para isto? Juliana plantou-se-lhe diante, muito insolente. — A senhora diz bem, sou uma ladra, é verdade; apanhei a carta no cisco; tirei as outras do gavetão. É verdade! E foi para isto, para mas pagarem! — E traçando, destraçando o xale, numa excitação frenética: — Não que a minha vez havia de chegar! Tenho sofrido muito, estou farta! Vá buscar o dinheiro onde quiser. Nem cinco réis de menos! Tenho passado anos e anos a ralar-me! Para — e é logo engraxar, varrer, arrumar, labutar, e a senhora está muito regalada em vale de lençóis, sem cuidados, nem canseiras. Há um mês que me ergo com o dia, para meter em goma, passar, engomar! A senhora suja. suja, quer ir ver quem lhe parece, aparecer-lhe com tafularias por baixo e cá está a negra, com a pontada no coração, a matar-se com o ferro na mão! E a senhora, são passeios, tipoias, boas sedas, tudo o que lhe apetece — e a negra? A negra a esfalfar-se! Luísa, quebrada, sem força de responder, encolhia-se sob aquela cólera como um pássaro sob um chuveiro. Juliana ia-se exaltando com a mesma violência da sua voz. E as lembranças das fadigas, das humilhações, vinham atear-lhe a raiva, como achas numa fogueira. — Pois que lhe parece? — exclamava. Não que eu coma os restos e a senhora os bons bocados! Depois de trabalhar todo o dia, se quero uma gota de vinho, quem mo dá? Tenho de o comprar! A senhora já foi ao meu quarto? É uma enxovia! ganhar meia moeda por mês, estafo-me a trabalhar, de madrugada até à noite, enquanto a senhora está de pânria! É que eu levanto-me às seis horas da manhã A percevejada é tanta que tenho de dormir quase vestida! E a senhora se sente
uma mordedura, tem a negra de desaparafusar a cama, e de a catar frincha por frincha. Uma criada! A criada é o animal. Trabalha se pode, senão rua, para o
hospital. Mas chegou-me a minha vez — e dava palmadas no peito, fulgurante de vingança. — Quem manda agora, sou eu! Luísa soluçava baixo.
— A senhora chora! Também eu tenho chorado muita lágrima! Ai! Eu não lhe quero mal, minha senhora, certamente que não! Que se divirta, que goze, que goze! O que eu quero é o meu dinheiro. O que eu
quero é o meu dinheiro aqui escarrado, ou o papel há de ser falado! Ainda este teto me rache, se eu não for mostrar a carta ao seu homem, aos seus amigos, à vizinhança toda, que há de andar arrastada pelas ruas da amargura!
(QUEIROZ. Eça de. 0 primo Basílio. In:_______. Obra com pleta. Porto: Lello & Irmão, 1958. v. 1. p. 1046-1048)
1. No texto 1, o narrador dirige a atenção do leitor para o conflito Juliana x Luísa.
a) Em que lugar ocorre a ação?
b) Quando ela ocorre? Que expressões marcam o tempo?
c) Que estratégia linguística Juliana usa no início da conversa?
d) De posse das cartas comprometedoras, que tipo de chantagem Juliana faz?
2. O diálogo entre Juliana e Luísa marca o conflito entre duas classes sociais: a da patroa e a da empregada. Com base no vocabulário empregado, responda: como uma vê a outra?
3. O leitor presencia a briga das duas personagens e conhece o estado de espírito delas. Descreva os sentimentos e os gestos de cada uma diante da situação narrada.
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1. a) A ação ocorre nos aposentos de Luísa.
b) A ação acontece à noite, quase às nove, sabe-se qua não é às nove da manhã porque Juliana comenta "mandei ao hotel esta tarde."
c) Juliana, no começo do diálogo, utiliza-se de perguntas retóricas.
d) Em posse das cartas que comprometem Luísa, Juliana a chantageia pedindo dinheiro.
2. Juliana, que é aquela que mais fala, vê a patroa como uma mulher mimada, folgada, preguiçosa, que vive uma vida extremamente boa, cheia de divertimentos. Já Luísa acusa Juliana, assim que chega, de ladra. O que podemos implicar das falas de Juliana é que Luísa não considera Juliana, ignora suas reais condições de vida ("já foi ao meu quarto?", indaga Juliana).
3. Juliana está furiosa, revolta, empertigada, em pose ameaçadora e gestos violentos, bate no peito, na mesa. Já Luísa fica completamente acuada, choraminga.
b) A ação acontece à noite, quase às nove, sabe-se qua não é às nove da manhã porque Juliana comenta "mandei ao hotel esta tarde."
c) Juliana, no começo do diálogo, utiliza-se de perguntas retóricas.
d) Em posse das cartas que comprometem Luísa, Juliana a chantageia pedindo dinheiro.
2. Juliana, que é aquela que mais fala, vê a patroa como uma mulher mimada, folgada, preguiçosa, que vive uma vida extremamente boa, cheia de divertimentos. Já Luísa acusa Juliana, assim que chega, de ladra. O que podemos implicar das falas de Juliana é que Luísa não considera Juliana, ignora suas reais condições de vida ("já foi ao meu quarto?", indaga Juliana).
3. Juliana está furiosa, revolta, empertigada, em pose ameaçadora e gestos violentos, bate no peito, na mesa. Já Luísa fica completamente acuada, choraminga.
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quando você leu um texto você vai entender a pergunta 1 a pergunta 2 E3 Leia o texto todinho
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