Texto 1:
fragmento do capítulo VII de Madame Bovary
E apenas se viu livre de Carlos [o marido], subiu e trancou-se no quarto. Primeiro sentiu-se numa espécie de atordoamento; revia as árvores, os caminhos, as valas, Rodolfo [o amante]; sentia ainda a pressão dos seus braços, enquanto a folhagem tremia e os juncos sibilavam. Mas, vendo-se ao espelho, ficou admirada com o próprio aspecto. Nunca tivera os olhos tão grandes, tão negros, nem assim tão profundos. Alguma coisa de sutil se espalhara por toda ela, transformando-a. E dizia consigo mesma: — Tenho um amante! Um amante! — deleitando-se com essa ideia, como se fora uma nova puberdade que lhe sobreviesse. Ia, afinal, possuir as alegrias do amor, a febre da felicidade, de que já desesperara. Entrava em algo maravilhoso, onde tudo era paixão, êxtase, delírio; uma imensidão azulada a envolvia, os píncaros do sentimento cintilavam sob a sua imaginação, e a vida cotidiana parecia-lhe longínqua, distante, na sombra, entre os intervalos daquelas alturas. Lembrou-se das heroínas dos livros que havia lido e a legião lírica dessas mulheres adúlteras punha-se a cantar em sua lembrança, com vozes de irmãs que a encantavam. Ela mesma se tomara como uma parteÉtienne Carjat/Coleção particular verdadeira de tais fantasias e concretizava o longo devaneio de sua mocidade, imaginando-se um daqueles tipos amorosos que ela tanto invejava antes. Além disso, Ema experimentava uma sensação de vingança. Pois não sofrerá já bastante? Triunfava, todavia, agora, e o amor, por tanto tempo reprimido, explodia todo, com radiosa efervescência. Saboreava-o sem remorsos, sem inquietação, sem desassossego.( FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução de Araújo Nabuco. São Paulo: Abril Cultural, 1970. p. 124-125.)
Texto 2:
fragmento do capítulo VI de O primo Basílio
Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes
da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa;
há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranquilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas
pousa de leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-
-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe
uma alegria: sentia-se ligeira, tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as impaciências
dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso. Foi-se ver ao espelho; achou a pele
mais clara, mais fresca, e um entemecimento úmido no olhar; seria verdade então o que dizia Leopoldina,
que “não havia como uma maldadezinha para fazer a gente bonita?”. Tinha um amante, ela!
E imóvel no meio do quarto, os braços cruzados, o olhar fixo, repetia: Tenho um amante! Recordava a
sala na véspera, a chama aguçada das velas, e certos silêncios extraordinários em que lhe parecia que a vida
parara, enquanto os olhos do retrato da mãe de Jorge, negros na face amarela, lhe estendiam da parede o
seu olhar fixo de pintura. Mas Juliana entrou com um tabuleiro de roupa passada. Eram horas de se vestir...
Que requintes teve nessa manhã!
(QUEIROZ, Eça de. 0 primo Basílio. In: Obra completa. Porto: Lello & Irmão, 1958. v. 1. p. 984-985.)
1. Aponte semelhanças entre os dois romances.
2. Como o narrador descreve Ema? E Luísa?
3. Aponte as diferenças entre os dois textos.
Soluções para a tarefa
Respondido por
28
1. Os dois romances têm o mesmo tema: a mulher adúltera. Nos dois trechos, temos a mulher passando pelo momento do reconhecimento de sua situação, reconhecendo-se, percebendo-se. As duas mulheres observam-se no espelho, notam mudanças em suas aparências físicas. Há nos dois textos forte presença do discurso indireto livre, as duas mulheres estão sozinhas, em um momento de reflexão.
2. Ema é uma mulher menos ingênua que Luísa, chega a ser amargurada. Já Luísa parece mais inocente, mais romântica, tem como sua confidente uma amiga, já Ema recorre à lembrança de personagens de livros. Ambas percebem-se mais bonitas, estão excitadas pelo caso.
3. A principal diferença é a personalidade das personagens de cada romance. O primeiro texto tem uma mulher que carrega em si anseios e desejos de vingança, já Luísa tem uma certa ingenuidade.
2. Ema é uma mulher menos ingênua que Luísa, chega a ser amargurada. Já Luísa parece mais inocente, mais romântica, tem como sua confidente uma amiga, já Ema recorre à lembrança de personagens de livros. Ambas percebem-se mais bonitas, estão excitadas pelo caso.
3. A principal diferença é a personalidade das personagens de cada romance. O primeiro texto tem uma mulher que carrega em si anseios e desejos de vingança, já Luísa tem uma certa ingenuidade.
Perguntas interessantes