Resumo sobre A fuga da Corte Portuguesa .
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Era uma vez uma nobre e atrapalhada família portuguesa que, por motivos de força maior, veio dar com os costados no Brasil – terra que, diga-se de passagem, lhe pertencia. O evento ocorrido há quase 200 anos poderia render um divertido sitcom. Nas mãos do jornalista Laurentino Gomes, resultou em uma obra saborosa. O livro 1808 narra um fato que, embora burlesco, resulta em episódio dos mais marcantes da história do país.
Depois de quase dez anos de pesquisa, o autor fez um dos estudos mais completos sobre o significado da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. A história vai sendo contada como uma grande reportagem, com situações realistas, em ambientes tão diversos entre si quanto eram o Brasil e Portugal ou a Inglaterra e a França do século 19.
O primeiro capítulo deixa claro que dom João VI, à época príncipe regente (sem, portanto, esse título), não tinha escolha. Ou saía de Portugal ou provavelmente seria preso e deposto por Napoleão Bonaparte, que em 1807 vivia o auge de seu poder. Ele tinha se autodeclarado imperador dos franceses havia três anos e, desde então, desenhava ambiciosos planos para conquistar a Europa – o que estava em vias de ocorrer, já que vencia os mais poderosos exércitos do continente.
Dom João não se fez de rogado e fugiu mesmo. Não apenas por isso, construiu reputação pouco fiável. Entrou para os anais como um monarca abobalhado e glutão, indeciso e enredado em cenas picarescas. O autor, porém, nos convida a perscrutar o personagem com olhos mais generosos ao nos lembrar que João não fora educado para dirigir o destino de um país e reinava em nome da mãe, dona Maria I, declarada insana e incapaz de exercer suas funções.
À parte isso, Laurentino, diretor superintendente da Editora Abril, escolhe para abrir o primeiro capítulo uma citação de Napoleão. Em suas memórias, referindo-se a dom João VI, escreveu: “Foi o único que me enganou”. A partir daí começamos a enxergar o rei como um personagem diferenciado, que, embora medroso e indeciso, fugiu lucidamente, porque essa pareceu-lhe a decisão mais sensata.
Mais adiante, ficamos sabendo que no Brasil suas providências foram mais resolutas e perspicazes. Por exemplo, a corte que aqui chegou, empobrecida, estava fragilizada e precisava de apoio. A Bahia era muito importante no cenário político da época – assim, dom João VI resolveu fazer uma parada estratégica em Salvador, antes de seguir para o Rio de Janeiro, local que sediaria a coroa. Muito diferente de uma parada provocada por acaso de percurso, como se acreditou por muitos anos.
A narração da partida da família real no dia 29 de novembro de 1807 é quase melancólica: um povo incrédulo que observava uma nobreza fujona, pressionada de um lado pelas ameaças napoleônicas e, de outro, pelos interesses econômicos da Inglaterra, maior rival de Napoleão. Os britânicos ofereciam à corte portuguesa proteção na travessia do Atlântico, em troca de livre comércio com a colônia. Portugal dobrou-se às ofertas dos ingleses, que lhes cederam para a fuga dezenas de naus, capitães e comandantes.
À população portuguesa, o monarca deixou um decreto que mandou afixar nas ruas de Lisboa. Nele, explicava que as tropas napoleônicas se aproximavam e que resistir a elas seria derramar sangue inutilmente. Por isso, mudava-se para o Rio de Janeiro e voltaria assim que a situação se acalmasse. Aqui ficou por 13 anos.
Em 1808, a narrativa vai se construindo a partir da descrição de passagens interessantíssimas baseadas em referências bibliográficas e documentos primários que revelam a extrema organização da pesquisa. Longe de um tratado acadêmico, alcança impacto de boa epopéia. As informações se cruzam, se bifurcam e se reencontram o tempo todo. E constroem um painel que resgata questões-chave do fim do século 18 e do início do 19 – sem se esquecer de estabelecer as conexões com a atualidade. Isso nos permite pensar no período com senso crítico e perceber as nuances das relações entre a colônia deslumbrada e a metrópole dirigida por uma corte destituída de qualquer valor e movida pelo ideal da riqueza fácil. O que, sem dúvida, contribuiu para engendrar uma corrupção sistêmica no Brasil – que, parece, nos acompanharia por pelo menos mais 200 anos.
Depois de quase dez anos de pesquisa, o autor fez um dos estudos mais completos sobre o significado da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. A história vai sendo contada como uma grande reportagem, com situações realistas, em ambientes tão diversos entre si quanto eram o Brasil e Portugal ou a Inglaterra e a França do século 19.
O primeiro capítulo deixa claro que dom João VI, à época príncipe regente (sem, portanto, esse título), não tinha escolha. Ou saía de Portugal ou provavelmente seria preso e deposto por Napoleão Bonaparte, que em 1807 vivia o auge de seu poder. Ele tinha se autodeclarado imperador dos franceses havia três anos e, desde então, desenhava ambiciosos planos para conquistar a Europa – o que estava em vias de ocorrer, já que vencia os mais poderosos exércitos do continente.
Dom João não se fez de rogado e fugiu mesmo. Não apenas por isso, construiu reputação pouco fiável. Entrou para os anais como um monarca abobalhado e glutão, indeciso e enredado em cenas picarescas. O autor, porém, nos convida a perscrutar o personagem com olhos mais generosos ao nos lembrar que João não fora educado para dirigir o destino de um país e reinava em nome da mãe, dona Maria I, declarada insana e incapaz de exercer suas funções.
À parte isso, Laurentino, diretor superintendente da Editora Abril, escolhe para abrir o primeiro capítulo uma citação de Napoleão. Em suas memórias, referindo-se a dom João VI, escreveu: “Foi o único que me enganou”. A partir daí começamos a enxergar o rei como um personagem diferenciado, que, embora medroso e indeciso, fugiu lucidamente, porque essa pareceu-lhe a decisão mais sensata.
Mais adiante, ficamos sabendo que no Brasil suas providências foram mais resolutas e perspicazes. Por exemplo, a corte que aqui chegou, empobrecida, estava fragilizada e precisava de apoio. A Bahia era muito importante no cenário político da época – assim, dom João VI resolveu fazer uma parada estratégica em Salvador, antes de seguir para o Rio de Janeiro, local que sediaria a coroa. Muito diferente de uma parada provocada por acaso de percurso, como se acreditou por muitos anos.
A narração da partida da família real no dia 29 de novembro de 1807 é quase melancólica: um povo incrédulo que observava uma nobreza fujona, pressionada de um lado pelas ameaças napoleônicas e, de outro, pelos interesses econômicos da Inglaterra, maior rival de Napoleão. Os britânicos ofereciam à corte portuguesa proteção na travessia do Atlântico, em troca de livre comércio com a colônia. Portugal dobrou-se às ofertas dos ingleses, que lhes cederam para a fuga dezenas de naus, capitães e comandantes.
À população portuguesa, o monarca deixou um decreto que mandou afixar nas ruas de Lisboa. Nele, explicava que as tropas napoleônicas se aproximavam e que resistir a elas seria derramar sangue inutilmente. Por isso, mudava-se para o Rio de Janeiro e voltaria assim que a situação se acalmasse. Aqui ficou por 13 anos.
Em 1808, a narrativa vai se construindo a partir da descrição de passagens interessantíssimas baseadas em referências bibliográficas e documentos primários que revelam a extrema organização da pesquisa. Longe de um tratado acadêmico, alcança impacto de boa epopéia. As informações se cruzam, se bifurcam e se reencontram o tempo todo. E constroem um painel que resgata questões-chave do fim do século 18 e do início do 19 – sem se esquecer de estabelecer as conexões com a atualidade. Isso nos permite pensar no período com senso crítico e perceber as nuances das relações entre a colônia deslumbrada e a metrópole dirigida por uma corte destituída de qualquer valor e movida pelo ideal da riqueza fácil. O que, sem dúvida, contribuiu para engendrar uma corrupção sistêmica no Brasil – que, parece, nos acompanharia por pelo menos mais 200 anos.
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