Música, perguntado por galopeiraparamatarmi, 9 meses atrás

Resenha descritiva da musica Ouro de Tolo do Raul Seixas ?

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Respondido por LuizOW
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A primeira coisa que impressiona em "Ouro de Tolo" é a contraposição da placidez da música com a violência do texto. A canção é uma baladinha doce, que Raul envenena com uma letra destruidora sobre a mediocridade dos sonhos do cidadão médio brasileiro. Se hoje é modinha criticar a sociedade de consumo, lembre que ele escreveu a letra em 1973, em meio ao ufanismo do Milagre Econômico e do "Brasil Grande". Enquanto os brasileiros sonhavam em comprar carros e TVs, Raul dizia que tudo aquilo era besteira: o que ele ainda tinha a conquistar eram coisas GRANDES, não a pequenez de Corcéis 73 ou de um apê em Ipanema.

Outra qualidade do texto é seu humor. Só Raul teria peito de incluir, num tema tão sério, alusões a macacos, pipoca e tobogã. Nesse verso dos macacos, a cereja do bolo é "ir com a família" ao zoológico. Raul não precisaria ter incluído a família nessa história (note, na primeira frase, que o Senhor concedeu o domingo somente a Raul), mas fez questão de incluir o clã inteiro, numa clara ironia à instituição familiar.

"Ouro de Tolo" foi escrita em meio a um dos períodos mais violentos da ditadura militar no Brasil, e é surpreendente que tenham escapado dos censores as menções a "doutor, padre e policial". Outro verso impactante é o que enfileira as palavras "humano", "ridículo" e "limitado". Cada vez que se relê a letra de "Ouro de Tolo", encontra-se nuance e mistério: que tal o verso "Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis"? Se Raul conseguiu tudo que quis, por que continuava insatisfeito? Que epifania o fez mudar de ideia? E as alusões autobiográficas ao período de dureza que passou no Rio ("fome na Cidade Maravilhosa"), depois de vir de Salvador para trabalhar em gravadora? É curioso também Raul dizer que teve "sucesso na vida como artista", quando nenhum de seus discos anteriores havia vendido nada. É Raul ironizando Raul.

Mas nada se compara à última parte da letra: além de uma das passagens mais bonitas da música brasileira (de toda a música brasileira, não só do pop-rock) – "Eu é que não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar" – há menção a um tema que interessava demais a Raul: a vida em outros planetas e a analogia do disco voador como sinônimo de fuga da realidade (ele retomaria o assunto na faixa "S.O.S.", de 1974). Além disso, há uma frase que sempre me intrigou: "cercas embandeiradas que separam quintais".

O que Raul quis dizer com "cercas embandeiradas"? Seriam as bandeiras metáforas para a posse de riquezas, no sentido de "o MEU terreno; o MEU carro, etc.", ou seriam bandeiras reais, ideológicas, que separariam os quintais de pessoas com posições antagônicas? O verso era pertinente no Brasil de 1973, e continua pertinente no Brasil de hoje.

Talvez esse seja o segredo da longevidade de "Ouro de Tolo": é uma canção política, mas que despreza a ideologia. O que interessava a Raul era a liberdade individual, o despertar de cada um, e não a simples crítica a governos ou situações. Raul enxergava à frente de conjunturas e propunha novos caminhos. Por isso, "Ouro de Tolo" não envelhece.

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