O texto a seguir é do escritor moçambicano Mia Couto. Fala sobre diversidade, identidade e sobre os conceitos equivocados de africanidade.
Durante anos, dei aulas em diferentes faculdades da Universidade Eduardo Mondlane. Os meus colegas professores queixavam-se da progressiva falta de preparação dos estudantes. Eu notava algo que, para mim, era ainda mais grave: uma cada vez maior distanciação desses jovens em relação ao seu próprio país. Quando eles saíam de Maputo em trabalhos de campo, esses jovens comportavam-se como se estivessem emigrando para um universo estranho e adverso. Eles não sabiam as línguas, desconheciam os códigos culturais, sentiam- -se deslocados e com saudades de Maputo. Alguns sofriam dos mesmos fantasmas dos exploradores coloniais: as feras, as cobras, os monstros invisíveis.
Aquelas zonas rurais eram, afinal, o espaço onde viveram os seus avós, e todos os seus antepassados. Mas eles não se reconheciam como herdeiros desse patrimônio. O país deles era outro. Pior ainda: eles não gostavam desta outra nação. E ainda mais grave: sentiam vergonha de a ela estarem ligados. A verdade é simples: esses jovens estão mais à vontade dentro de um videoclipe de Michael Jackson do que no quintal de um camponês moçambicano.
[...]
Numa conferência em que este ano participei na Europa, alguém me perguntou: o que é, para si, ser africano?
E eu lhe perguntei, de volta: E para si, o que é ser europeu?
Ele não sabia responder. Também ninguém sabe exatamente o que é africanidade. [...]
As definições apressadas da africanidade assentam numa base exótica, como se os africanos fossem particularmente diferentes dos outros, ou como se as suas diferenças fossem o resultado de um dado de essência.
África não pode ser reduzida a uma entidade simples, fácil de entender. O nosso continente é feito de profunda diversidade e de complexas mestiçagens. Longas e irreversíveis misturas de culturas moldaram um mosaico de diferenças que são um dos mais valiosos patrimônios do nosso continente. Quando mencionamos essas mestiçagens falamos com algum receio como se o produto híbrido fosse qualquer coisa menos pura. Mas não existe pureza quando se fala da espécie humana. Os senhores dizem que não há economia atual que não se alicerce em trocas. Pois não há cultura humana que não se fundamente em profundas trocas de alma. [...]
(COUTO, Mia. Economia: a fronteira da cultura (2003). Disponível em: . Acesso em: 9 set. 2012).
Tendo em vista a sua leitura do texto de Mia Couto, do texto de Kabengele Munanga da página 111 e do item sobre as primeiras civilizações africanas, responda:
a) Por que não existe uma África?
b) No seu entender, a leitura que Mia Couto realiza do passado colonial no continente africano e das referências americanizadas no presente dos jovens moçambicanos, levando-os a um afastamento das tradições e dos patrimônios históricos locais, pode ser utilizada também no contexto das Américas?
Soluções para a tarefa
b) É preciso se levar e consideração quais são nossas referências culturais atuais, o quão próximos estamos das tradições de gerações passadas do país, ou se nos identificamos mais com a cultura da metade do século XX de uma outra nação, como a norte-americana, por exemplo. Processo de colonização e colonialismo são aculturadores ou transformadores? Que tradições brasileiras vemos desaparecer com o tempo? Um exemplo muito simples pode ser notado nos nossos padrões de alimentação. As ofertas de produtos alimentícios importados e de restaurantes especializados em comida de outras nações poria em risco nossas tradições culinárias?
Resposta:
a) Mia Couto critica a noção de África como uma entidade única e uniforme, destacando as múltiplas características que o continente sempre deteve, desde a Antiguidade, com sua pluralidade de povos, culturas e reinos e intercâmbios entres eles. É um território vasto de diferenças inclusive geográficas, e sua multiplicidade continuou ao longo da História, com a exploração islâmica, e mais tarde, com a colonização européia. Quando indagado sobre o que é ser africano, Mia Couto ressalta a discrepância de se homogeneizar a África sobre uma única descrição preconceituosa. Inclusive, Mia Couto, vale ressaltar, mora na África supostamente negra, e é branco. Mesmo dentro de um mesmo país, a diversidade e complexidade das identidades africanas são impressionantes.
b) É preciso se levar e consideração quais são nossas referências culturais atuais, o quão próximos estamos das tradições de gerações passadas do país, ou se nos identificamos mais com a cultura da metade do século XX de uma outra nação, como a norte-americana, por exemplo. Processo de colonização e colonialismo são aculturadores ou transformadores? Que tradições brasileiras vemos desaparecer com o tempo? Um exemplo muito simples pode ser notado nos nossos padrões de alimentação. As ofertas de produtos alimentícios importados e de restaurantes especializados em comida de outras nações poria em risco nossas tradições culinárias?