GALOCHAS (Fernando Sabino) E como ontem estivesse chovendo, tive a infeliz ideia, ao sair à rua, de calçar um velho par de galochas. Já me desacostumara delas, e me sentia a carregar nos pés algo pesado, viscoso e desagradável, dando patadas no chão como um escafandrista de asfalto. Ainda assim, não deixaram de ser, em tempos de chuvas, a única proteção efetiva para o sapato. Mas quem disse que chovia? No centro da cidade um sol radioso varava as nuvens e caía sobre a rua, enchendo tudo de luz, fazendo evaporar as últimas poças de água que ainda pudessem justificar minhas galochas. E elas de súbito se tornaram para mim tão anacrônicas, como se eu estivesse de fraque, cartola e gravata plastrom. “É que não se usa galocha há mais de vinte anos”, advertia-me uma irônica voz interior. Desconsolado, parei e olhei em volta. Naquela festa de sol, em plena Esplanada do Castelo, quem é que iria estar de galocha, além de mim? Vi passar a meu lado os sapatos brancos de um homem pernosticamente vestido de branco. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, pensei. Saíra depois da chuva, certamente. Veio-me a desagradável impressão de que todo mundo reparava nas minhas galochas. Galochas – mas que coisa antiga, meu Deus do céu! – descobri de súbito: como não pensar nisso ao calçá-las? Artefatos de borracha – e concluí idiotamente: hoje em dia tudo é de matéria plástica, ninguém fala mais em capa de borracha – existirão galochas de plástico? Como fazem os pelintras de hoje para não molhar os pés nos dias de chuva? No restaurante, onde entrei arrastando os cascos como um dromedário, resolvi-me ver livre das galochas. Depois de acomodar-me, descalcei-as, procurando não chamar a atenção dos outros fregueses, deixei-as debaixo da mesa. Ao sair, porém, o garçom, solícito, me advertiu em voz alta, lá do fundo: — O senhor está esquecendo suas galochas! Humilhado, voltei para apanhá-las, e sem ligar mais para nada, saí com elas na mão. Agora estão lá, abandonadas numa das gavetas de minha mesa de trabalho, despojos de um mundo extinto. Um dia me serão úteis, quando eu for, como diz o poeta, suficientemente velho para merecê-las. 6) A crônica mostra que a ideia de sair de galocha pelas ruas foi infeliz por duas razões. Quais são elas? _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ 7) Explique com suas palavras o provérbio que o homem de galochas pensou: "Nem tanto ao mar, nem tanto à terra". _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ 8) Por que o homem de galochas se sentiu humilhado? ________________________________________________
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6. A ideia de sair de galocha pelas ruas foi infeliz por duas razões:
> elas eram pesadas, viscosas e desagradáveis
> era um dia muito ensolarado, o que fazia com que as galochas ficassem ainda mais desconfortáveis
7. O provérbio "Nem tanto ao mar, nem tanto à terra" significa:
sem exagerar para mais ou para menos; nem muito nem pouco, com moderação e equilíbrio.
8. O homem de galochas se sentiu humilhado porque o garçom gritou, para todo mundo no restaurante, que ele usava galochas.
Ele havia esquecido de propósito as galochas, mas o garçom grita, avisando-o que ele as havia esquecido.
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