Fale o texto feito pelo carlos Drummond de Andrade em homenagem a Helena Antipoff
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A grande pesquisadora e pioneira na introdução da educação para crianças com deficiência no Brasil, Helena Antipoff é uma das figuras mais simbólicas do movimento pestalozziano. Psicóloga e pedagoga de origem russa, mudou-se para o Brasil em 1929 e acabou por transformar-se em uma autêntica mineira. A pluralidade da ação intelectual, política e pedagógica de Helena Antipoff inspirou o poeta Carlos Drummond de Andrade, considerado o mais influente poeta brasileiro do século XX, que escreveu o poema ‘A casa de Helena’ em homenagem à educadora, que dedicou sua vida a busca de uma política de educação adequada para as pessoas com deficiência.
A casa de Helena
Carlos Drummond de Andrade
Russa translúcida de sorriso tímido
(assim a contemplo na retrovisão da lembrança)
Helena 1929 enfrenta os poderes burocráticos.
Suavemente,
instaura em Minas o seu sonho-reflexão.
Moças normalistas rodeiam Helena.
Traz um sinal novo para gente nova.
Ensina
a ver diferente a criança,
a descobrir na criança
uma luz recoberta por cinzas e costumes,
e nas mais carentes e solitárias revela
o princípio de vida ansioso de sol.
Helena é talvez uma fada eslava
que estudou psicologia
para não fazer encantamentos; só para viajar
o território da infância e ir mapeando
suas ilhas, cavernas, florestas labirínticas,
de onde, na escuridão, desfere o pássaro
- surpresa -
melodia jamais ouvida antes.
Helena reúne
os que não se conformem com a vida estagnada
e com os mandamentos da educação de mármore.
Leva com eles para o campo
uma ideia-sentimento
que faz liga com as arvores
as águas
os ventos
os animais
o espaço ilimitado de esperança.
Fazenda do Rosário: a fazendeira
alma de Minas se renova
em graça e amor, sem juros.
amor ciente de seus fins
de liberdade e de criação.
E essa pastora magra, quase um sopro,
uma folha talvez (ou uma centelha
que não se apaga nunca?) vai pensando
outras formas de abrir, no chão pedrento,
o caminho de paz para o futuro.
Helena sonha o mundo de amanhã,
mundo recuado sempre, mas factível
e em mínimas sementes concentrado:
estes garotos pensativos,
esse outro ali, inquieto, a modelar
engenharias espaciais com mão canhota,
aquele mais além, que se revolta
procurando a si mesmo, e não se encontra
no quadro bitolado dos contentes.
Viajantes sem pouso
no albergue corriqueiro,
Helena os chama e diz: Vou ajudá-los.
Não presidente, não ministro,
aos 80 anos dirige um mundo-em-ser.
A casa de Helena é a casa daqui a 20 anos,
de aqui a 50, ao incontável.
É uma casa pousada em nós, em nosso sangue.
Podemos torná-la real: o risco de Helena
fica estampado na consciência.
E quando Helena 1974 se cala
na aparência mortal,
seu risco viçoso e alegre e delicado perdura,
lição de Helena Antipoff mineira universal.
A casa de Helena
Carlos Drummond de Andrade
Russa translúcida de sorriso tímido
(assim a contemplo na retrovisão da lembrança)
Helena 1929 enfrenta os poderes burocráticos.
Suavemente,
instaura em Minas o seu sonho-reflexão.
Moças normalistas rodeiam Helena.
Traz um sinal novo para gente nova.
Ensina
a ver diferente a criança,
a descobrir na criança
uma luz recoberta por cinzas e costumes,
e nas mais carentes e solitárias revela
o princípio de vida ansioso de sol.
Helena é talvez uma fada eslava
que estudou psicologia
para não fazer encantamentos; só para viajar
o território da infância e ir mapeando
suas ilhas, cavernas, florestas labirínticas,
de onde, na escuridão, desfere o pássaro
- surpresa -
melodia jamais ouvida antes.
Helena reúne
os que não se conformem com a vida estagnada
e com os mandamentos da educação de mármore.
Leva com eles para o campo
uma ideia-sentimento
que faz liga com as arvores
as águas
os ventos
os animais
o espaço ilimitado de esperança.
Fazenda do Rosário: a fazendeira
alma de Minas se renova
em graça e amor, sem juros.
amor ciente de seus fins
de liberdade e de criação.
E essa pastora magra, quase um sopro,
uma folha talvez (ou uma centelha
que não se apaga nunca?) vai pensando
outras formas de abrir, no chão pedrento,
o caminho de paz para o futuro.
Helena sonha o mundo de amanhã,
mundo recuado sempre, mas factível
e em mínimas sementes concentrado:
estes garotos pensativos,
esse outro ali, inquieto, a modelar
engenharias espaciais com mão canhota,
aquele mais além, que se revolta
procurando a si mesmo, e não se encontra
no quadro bitolado dos contentes.
Viajantes sem pouso
no albergue corriqueiro,
Helena os chama e diz: Vou ajudá-los.
Não presidente, não ministro,
aos 80 anos dirige um mundo-em-ser.
A casa de Helena é a casa daqui a 20 anos,
de aqui a 50, ao incontável.
É uma casa pousada em nós, em nosso sangue.
Podemos torná-la real: o risco de Helena
fica estampado na consciência.
E quando Helena 1974 se cala
na aparência mortal,
seu risco viçoso e alegre e delicado perdura,
lição de Helena Antipoff mineira universal.
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