Português, perguntado por meirayasmin14, 1 ano atrás

Crônica sobre responsabilidade

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Respondido por rayssasilva096
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A RESPONSABILIDADE
A propósito da queda de uma ponte, o português, repentinamente incomodado na sua doce boçalidade, deu em vociferar aqui d’el rei que o Estado é criminoso, que os responsáveis políticos e institucionais são, na verdade, irresponsáveis, que é uma vergonha o estado a que as coisas chegaram, que reina a incúria no país, e mais meia dúzia de excitações semelhantes.
O português, que no seu dia a dia abomina ingerências fiscalizadoras, o português que, se não os puder comprar, foge dos inspectores como o diabo da cruz, que enquanto trolha facilita, enquanto encarregado facilita, enquanto empreiteiro facilita, enquanto engenheiro facilita, que facilita tanto quanto respira, que é ele mesmo a personificação do facilitismo — brada contra a irresponsabilidade que reina no país.
O português, que desdenha os (poucos) debates estratégicos da pátria, que confunde as prioridades da pátria, que aplaude como basbaque as inúteis e esbanjadoras EXPOS 98, que adora as auto-estradas com um sebastianismo renovado, que está em pulgas com o EURO 2004, que ignora ou apoia militantemente a vocação empregadora (temporária) e golfista da barragem do Alqueva, que rejubila com o chico-espertismo dos «Vale e Azevedo» e «Pintos da Costa» deste país, que alimenta e defende os patos bravos (empreiteiros e autarcas) que vão desordenando o território, esse mesmo português, que é, ele próprio, o paradigma da irresponsabilidade, da superfluidade, da inutilidade, que é o combustível e o co-promotor do facilitismo e da mediocridade que nos atolam — berra agora com indignação contra os «assassinos» da ponte.
O português, que frequenta cursos para jovens agricultores «por desfastio» ou enquanto aguarda a «contrata» para a Suíça, o português, que «mete» um projecto para uma estufa e compra um jipe, que quando pede apoios ou subsídios ao Estado não tem em vista o incremento da produtividade mas a sustentação da imobilidade, que não se enoja com as cunhas excepto quando estas não o beneficiam, o português, para quem a sua preguiça faz mais pelo país do que mérito dos que o rodeiam, para quem há sempre um culpado distante ou abstracto dos males que lhe batem à porta, o português, o virginal português, clama por sangue! Quer ver na forca os governantes que «ele» elegeu, quer crucificar a política de incúria que «ele» ajudou a criar, a política que, ele não sabe, mas é a das «grandes» obras que pediu, do «progresso» que exigiu, a política que descura o essencial em prol do acessório, que promove a fachada em detrimento do conteúdo. A política de que o cidadão, subitamente inocente, subitamente imaculado, se desresponsabiliza...
O pachorrento português acordou dum sonho bom? O indolente portuga descobriu que o «Estado» português, ao contrário de outros, não é uma «nação organizada politicamente », mas tão só uma «circunstância em que se está e se permanece »? O luso-vociferador lembrou-se por um minuto que ali, nas águas do Douro, como noutras desgraças, se reflectiu, não o governo, não os partidos, não as instituições, mas todos e cada um dos cidadãos que fazem o «esplendor» de Portugal? Não. Passada a euforia, acalmadas as águas do Douro, terminadas as romarias a Castelo de Paiva, o lodo há-de recobrir novamente, como lhe compete, a circunstância de ser português. A vida, a nossa irresponsável, facilitista vida, a nossa medíocre vida há-de continuar o seu ramerrão agarrada à cauda da Europa, lugar que é seu por direito adquirido. E o português rejubilará em 2004 com os golos que certamente se hão-de marcar.

P.S. A propósito de responsabilidades e desresponsabilizações, agora no âmbito do desenvolvimento de Trás-os-Montes, permitam-me recomendar uma leitura edificante: a rubrica sobre o III Congresso Transmontano que o «Semanário Transmontano» tem publicado. Relembro, especialmente, um título que cito de memória: «Não é destino, é tendência»...

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