Português, perguntado por jessmha, 1 ano atrás

Uma gripe abençoada



Danuza Leão

Como era bom, quando se era criança, e se pegava uma gripe. E com uma febrinha tipo 37,5º C, melhor ainda.

Em primeiro lugar, escola nem pensar; a família inteira se mobilizava não só para cuidar da “doente” como para paparicá-la e fazer todas as vontades. Algumas coisas eram proibidas: andar descalça pela casa, tomar água gelada ou usar uma camisa sem mangas. Era preciso estar sempre agasalhada, de preferência usando meia de lã, e se alimentar bem.

Por alimentação, leia-se: vários chazinhos por dia, acompanhados de uma torradinha e, no jantar, canja. Aliás, canja ou um pedacinho de galinha com purê de batatas, também podia. E quem está de cama fica, automaticamente, proibido de comer chocolate, batata frita e camarão.

É bem verdade que já não se fazem gripes como antigamente; quando eu era criança, na hora de dormir – cedo, quem tem gripe não pode dormir tarde –, havia uma sessão Vick Vaporub, e da lembrança do cheiro da pomada eu me lembro até hoje.

Era assim: primeiro havia o banho, de banheira. Depois, um pouco de Vick no peito e nas costas, um pijaminha de flanela, e o direito a comer na cama, na bandeja. A comida era dada na boca; e, dependendo da idade, fazendo aviãozinho. Quem comesse tudo ganharia um presente no dia seguinte – bobagens, tipo o bolo predileto ou poder ver a caixa de joias da mãe; na cama, claro.

Não eram nada, as joias: um colarzinho de pérolas, dois ou três brochinhos de ouro, um relógio. Mas para quem tem sete, oito anos, a caixa correspondia à caverna de Ali Babá. Se no dia seguinte a febre não tivesse cedido, o médico vinha em casa; um médico simpático, paternal, mas capaz de tudo: de receitar uma injeção a óleo, por exemplo, daquelas que na hora em que o farmacêutico enfiava a agulha, se sentia o gosto na boca. Acho que era Eucaliptine, o nome.

Mas tinha mais: se houvesse tosse e bronquite, havia uma pasta chamada Antiflogestine, que se esquentava no banho-maria e que, na hora de dormir, era espalhada nas costas e no peito com uma faca. Essa era uma grande cena: “Ai, está queimando”. A mãe passava um pouquinho na parte interna do braço, para testar a temperatura. Depois, uma camada de algodão e, em cima, uma atadura; a finalização era com dois ou três alfinetes de fralda. Ah, e ainda tinha um lenço no pescoço embebido em álcool.

Isso feito, cobertor e o privilégio de poder ler um pouquinho na cama, por uns quinze minutos. E bom mesmo era quando o pai chegava, à noite, com um embrulhinho com duas peras, duas maçãs, um cachinho de uvas, frutas que só apareciam em caso de doença, e o gibi.

Aí é que era bom: vinha minha mãe, me cobria com o cobertor até as orelhas, sentava na beira da cama e ficava um pouquinho, esperando o sono vir. Ele vinha logo, e ela saía na ponta dos pés, para não fazer barulho. Mais tarde voltava, punha o termômetro, e se via você suada, trocava seu pijama por um limpinho, sequinho. De manhã bem cedo punha as costas da mão na testa e dizia: “A febre foi embora”. Para as mães, termômetros são perfeitamente inúteis.

Aí começava a convalescença, e a família inteira vinha, um de cada vez, trazendo um bolo ou uns biscoitos – “depois de uma gripe, é preciso se alimentar bem.” Hoje, quando à noite toma aquele comprimido sem o qual não consegue dormir, e mesmo assim acorda às 4h da manhã, lembra de como era bom quando alguém entrava no quarto no meio da noite para ver se ela estava dormindo bem.

De preferência a mãe.

Folha de São Paulo, Cotidiano, C2, 23 de outubro de 2005



Os sufixos formadores de grau, longe de expressar apenas as ideias de intensidade, de aumento ou diminuição de tamanho, vêm carregados de valores modalizadores.

Dentre as alternativas apresentadas, a única em que o diminutivo foi usado com valor modalizador diferente dos demais é:



Escolha uma:
a. “Depois, um pouco de vick no peito e nas costas, um pijaminha de flanela, e...”(linhas 13 e 14)
b. “... vários chazinhos por dia, acompanhados de uma torradinha e, no jantar, canja.” (linhas 7 e 8)
c. “Isso feito, cobertor e o privilégio de poder ler um pouquinho na cama,...” (linha 29)
d. “Aliás, canja ou um pedacinho de galinha com purê de batatas, também podia.” (linha 8)

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Respondido por michelinhamelo
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" Depois, um pouco de vick no peito e nas costas, um PIJAMINHA de flanela, e..." (linha 13 e 14)
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