Todo o barbeiro é tagarela, e principalmente quando tem pouco que fazer; começou portanto a puxar conversa com o freguês. Foi a sua salvação e fortuna. O navio a que o marujo pertencia viajava para a Costa e ocupava-se no comércio de negros; era um dos combóis que traziam fornecimento para o Valongo, e estava pronto a largar. — Ó mestre! disse o marujo no meio da conversa, você também não é sangrador? — Sim, eu também sangro... — Pois olhe, você estava bem bom, se quisesse ir conosco... para curar a gente a bordo; morre-se ali que é uma praga. — Homem, eu da cirurgia não entendo muito... — Pois já não disse que sabe também sangrar? — Sim... — Então já sabe até demais. No dia seguinte saiu o nosso homem pela barra fora: a fortuna tinha-lhe dado o meio, cumpria sabê-lo aproveitar; de oficial de barbeiro dava um salto mortal a médico de navio negreiro; restava unicamente saber fazer render a nova posição. Isso ficou por sua conta. Por um feliz acaso logo nos primeiros dias de viagem adoeceram dois marinheiros; chamou- -se o médico; ele fez tudo o que sabia... sangrou os doentes, e em pouco tempo estavam bons, perfeitos. Com isto ganhou imensa reputação, e começou a ser estimado. Chegaram com feliz viagem ao seu destino; tomaram o seu carregamento de gente, e voltaram para o Rio. Graças à lanceta do nosso homem, nem um só negro morreu, o que muito contribuiu para aumentar- -lhe a sólida reputação de entendedor do riscado. Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias. As produções literárias refletem, muitas vezes, marcas de contexto histórico, político e social. É o que se observa no trecho de texto extraído de Memórias de um Sargento de Milícias. Nele, narra-se uma cena relacionada ao tráfico de escravos, porém o narrador não emite julgamento direto sobre essa prática. Ao adotar tal procedimento, o narrador A revela-se cúmplice do mercado negreiro, pois fica subentendido que o considera justo e irrepreensível. B antecipa os métodos do Realismo-Naturalismo, o qual, em nome da objetividade, também abolirá os julgamentos de ordem social, política e moral. C prefigura a poesia abolicionista de Castro Alves, que irá empregá-lo para melhor expor à execração pú- blica o horror da escravidão. D contribui para que se constitua a atmosfera de au- sência de culpa que caracteriza a obra. E mostra-se consciente de que a responsabilidade pelo comércio de escravos cabia, principalmente, aos próprios africanos, e não ao tráfico negreiro.
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Letra d.
Nota-se, por intermédio da leitura do texto acima, que não há qualquer indício de uma ideia de culta por parte do narrador diante do tema abordado acima. É evidente que o marujo utiliza tons pejorativos para fazer referência ao tema, entretanto, o narrador se apresenta nulo.
Ademais, nota-se que há insenção do autor diante dos demais termos utilizados, como por exemplo, os seguintes temas: "traições amorosas, vagabundagem, apropriação de bens alheios, fofocas".
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