SER BROTINHO - PAULO MENDES CAMPOS
Ser brotinho não é viver em um pincaro azulado: é muito mais! Ser brotinho é sorrir bastante dos homens
e rir interminavelmente das mulheres, rir como se o ridículo, visível ou invisível, provocasse uma tosse de
riso irresistível.
Ser brotinho é não usar pintura alguma, às vezes, e ficar de cara lambida, os cabelos desarrumados
como se ventasse forte, o corpo todo apagado dentro de um vestido tão de propósito sem graça, mas
lançando fogo pelos olhos. Ser brotinho é lançar fogo pelos olhos.
É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a contemplar o teto, só para poder contar depois que
ficou a tarde inteira olhando para cima, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no
apartamento da amiga comendo comida de lata e cortar o dedo. Ser brotinho é ainda possuir vitrola
própria e perambular pelas ruas do bairro com um ar sonso-vagaroso, abraçada a uma porção de elepês
coloridos. É dizer a palavra feia precisamente no instante em que essa palavra se faz imprescindível e
tão inteligente e superior. É também falar legal e bárbaro com um timbre tão por cima das vãs agitações
humanas, uma inflexão tão certa de que tudo neste mundo passa depressa e não tem a menor
importância.
Ser brotinho é poder usar óculos enormes como se fosse uma decoração, um adjetivo para o rosto e
para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas que os coroas levam a sério, mas é também dar sentido
de repente ao vácuo absoluto. Aguardar na paciente geladeira o momento exato de ir à forra da falsa
amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel, recados que os anacolutos tornam misteriosos,
anotações criptográficas sobre o tributo da natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros com uma
sentença hermética escrita a batom, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbito ao vento
que passa. Ser brotinho é a inclinação do momento.
É telefonar muito, demais, revirando-se no chão como dançarina no deserto estendida no chão. É querer
ser rapaz de vez em quando só para vaguear sozinha de madrugada pelas ruas da cidade. Achar muito
bonito um homem muito feio; achar tão simpática uma senhora tão antipática. É fumar quase um maço
de cigarros na sacada do apartamento, pensando coisas brancas, pretas, vermelhas, amarelas.
Ser brotinho é comparar o amigo do pai a um pincel de barba, e a gente vai ver está certo: o amigo do pai
parece um pincel de barba. É sentir uma vontade doida de tomar banho de mar de noite e sem roupa,
completamente. É ficar eufórica à vista de uma cascata. Falar inglês sem saber verbos irregulares. É ter
comprado na feira um vestidinho gozado e bacanérrimo.
É ainda ser brotinho chegar em casa ensopada de chuva, úmida camélia, e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se mais. É ter saído um dia com uma rosa vermelha na mão, e todo mundo pensou com piedade que ela era uma louca varrida. É ir sempre ao cinema, mas com um jeito de quem não espera mais nada desta vida. É ter uma vez bebido dois gins, quatro uísques, cinco taças de champanha e uma de cinzano sem sentir nada, mas ter outra vez bebido só um cálice de vinho do Porto e ter dado um vexame modelo grande. É o dom de falar sobre futebol e política como se o presente fosse passado, e vice-versa.
Ser brotinho é atravessar de ponta a ponta o salão da festa com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter estudado ballet e desistido, apesar de tantos telefonemas de Madame Saint-Quentin. Ter trazido para casa um gatinho magro que miava de fome e ter aberto uma lata de salmão para o coitado. Mas o bichinho comeu o salmão e morreu. É ficar pasmada no escuro da varanda sem contar para ninguém a miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando. É manter o ritmo na melodia dissonante. Usar o mais caro perfume de blusa grossa e blue-jeans. Ter horror de gente morta, ladrão dentro de casa, fantasmas e baratas. Ter compaixão de um só mendigo entre todos os outros mendigos da Terra. Permanecer apaixonada a eternidade de um mês por um violinista estrangeiro de quinta ordem. Eventualmente, ser brotinho é como se não fosse, sentindo-se quase a cair do galho, de tão amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada sobre a presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de soneto moderno, ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É policiar parentes, amigos, mestres e mestras com um ar songamonga de quem nada vê, nada ouve, nada fala.
Pergunta:
1)De acordo com o autor, "ser brotinho" é um estafo de espírito e por isso aa definições dadas por ele podem mudar "sem aviso prévio". Marque a sentença que melhor define esta afirmação:
a) é aguardar com paciência e frieza.
b) é ter bolsa cheia de pedacinhos de papel.
c) é a inclinação do momento.
d) é poder usar óculos como se fosse enfeite.
e) é viver em um píncaro azulado.
Soluções para a tarefa
Respondido por
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Resposta:
eu acho que é a
Explicação:
A pois ele fala neste pedaço
É ainda ser brotinho chegar em casa ensopada de chuva, úmida camélia, e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se mais. É ter saído um dia com uma rosa vermelha na mão, e todo mundo pensou com piedade que ela era uma louca varrida. É ir sempre ao cinema, mas com um jeito de quem não espera mais nada desta vida.
Borgesgleicyvitoria:
Obrigada!
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