sabendo que o corpo não é apenas biológico, quais as outras dimensões que o constituem?
Soluções para a tarefa
Na medida em que a educação física lida, pedagogicamente, com expressões da cultura, então, pela educação do corpo também se difunde uma determinada ordem cultural, da qual a cultura corporal é constitutiva e constituinte.
Isso significa que a educação física compartilha de um projeto de educação corporal que está presente em todos os lugares e momentos da vida humana, colaborando para a incorporação de hábitos, comportamentos e referências sobre o corpo e a gestualidade que vão formando e configurando sujeitos e coletividades, delineando normas sociais que circunscrevem cada sociedade. Como diria Soares:
Os corpos são educados por toda a realidade que os circunda, por todas as coisas com as quais convivem, pelas relações que se estabelecem em espaços definidos e delimitados por atos de conhecimento. Uma educação que se mostra como face polissêmica e se processa de um modo singular: dá-se não só por palavras, mas por olhares, gestos, coisas, pelo lugar onde vivem (2001, p.110).
Também para Rodrigues (1987), os hábitos corporais são aprendidos e transmitidos pela educação. É por ela que se incutem nos indivíduos os princípios que explícita ou disfarçadamente são comuns aos membros de uma sociedade; por meio da educação faz-se de cada criança um membro da sociedade, sobretudo fazendo-a abrir mão de sua autonomia corporal para incorporar marcas próprias de sua sociedade e de seu tempo.
Estamos convencidas, como Gonçalves (1994), de que o corpo é, sobretudo, um meio de comunicação empática com o mundo, participante ativo e permanente dos processos de sociabilidade, da produção material e simbólica e das experiências culturais. É o que afirma também Rodrigues, para quem:
[...] um caminho possível para compreender o corpo e as práticas corporais é considerá-los como pertencendo ao universo dos símbolos e da comunicação. Partes do corpo, posturas, gestos, contatos, interação corporal, remetem a conteúdos implícitos, são significados de elaboração secundária, com propósitos não necessariamente corporais (1987, p.93).
Com isso, pensamos que mesmo as expressões corporais mais vinculadas ao funcionamento biológico do organismo são, na verdade, mediadas e construídas pela cultura, como é o caso das perturbações do aparelho digestivo, dos limites humanos para dor, sono, fome, sede, etc. Portanto, compactuamos com a idéia de que "símbolo" é a palavra-chave que nos ajudaria a compreender essas questões, pois
[...]o corpo, os gestos e as práticas corporais devem ser interpretados e decifrados, mais ou menos, como se decifram os símbolos do inconsciente - pois desde cedo aprendemos a absorvê-los de modo tão consciente como aquele pelo qual adquirimos as regras do idioma que falamos (Rodrigues, 1987, p.93).
Porém, como informa o próprio autor, a linguagem corporal e os conteúdos significativos da gestualidade não são universais. Gestos, comportamentos e formas de comunicação não-verbais variam de cultura para cultura, ainda que os indivíduos tenham em vista os mesmos objetivos com seus atos. Assim, as maneiras de chamar alguém, de concordar, cumprimentar, indicar objetos, despedir-se, expressar contentamento, cumplicidade ou desconfiança são distintas e, muitas vezes, exprimem sentidos contrários, provocando confusões ou gerando desconforto entre as pessoas.
De qualquer modo, na construção de sua gestualidade, os indivíduos incorporam (e esse conceito é bem apropriado para o que estamos tentando explicar) referências que têm a ver com sua história de vida, com a sua identidade social, com as suas relações de grupo, com a educação que recebem no ambiente familiar; enfim, com as experiências vividas na escola e no lazer, esculpindo-se como sujeito-corpo na relação com os outros e com o mundo.
Assim, é possível dizer que existem, pelo menos, três maneiras de compreender a linguagem corporal: há uma linguagem individual, formada a partir de uma gestualidade própria, que diz muito sobre os sujeitos, sobre seu universo psíquico e sobre a sua personalidade que - apesar de individual, de seu caráter pessoal - é construída na relação com a cultura; há também um conjunto de marcas, normas, regras e expressões gestuais que perpassam a linguagem corporal dos grupos e das pessoas que compartilham de uma mesma cultura; e há, por sua vez, as práticas ou manifestações da cultura corporal que, ao serem sistematizadas e elaboradas com base em saberes e interesses específicos, isto é, como modelos de educação do corpo, comportam sentidos e significados que contextualizam, explicam, classificam e selecionam movimentos, ações, expressões e atividades corporais humanas.
Desse modo, faz sentido analisar historicamente como a ginástica e a dança se inserem na sociedade, pois isso as caracteriza como manifestações sistematizadas da cultura corporal e nos permite reconhecê-las no processo de construção das ações humanas e também de sua apropriação no espaço escolar.