Português, perguntado por kdaniele864, 11 meses atrás

resenha crítica sobre o filme
“American Factory”.

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Respondido por brubsoliveira2
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O frio intenso e perturbador toma conta da cidade de Dayton, Ohio. O ano é 2008 e ao ambiente gélido soma-se o fechamento de uma fábrica da General Motors. Uma montagem intercala a solidão causada pelo clima com a demissão de mais de dez mil funcionários. Logo após, há uma elipse temporal de oito anos para o futuro e a câmera acompanha um casal chinês, de costas, observando a cidade. Fechando a pessimista sequência inicial, surge na tela o título, Indústria Americana, tanto em inglês quanto em mandarim.

Estes primeiros cinco minutos são um resumo de tudo que está por vir. Em 2010, ocorre um êxodo de capital chinês para o Ocidente, prometendo mudar toda a economia da região. Uma das consequências dessa imigração é a compra da planta que sediava a empresa de carros norte-americana. Cinco anos depois, em 2015, o espaço é transformado em uma filial da chinesa Fuyao, responsável pela produção de vidros.

Distribuído por Michelle e Barack Obama (sim, o ex-presidente dos Estados Unidos), que estão iniciando sua própria produtora Higher Ground, o documentário da Netflix explora a dinâmica da interação entre o trabalhador americano e chinês dentro da Fuyao. Os diretores Steven Bognar e Julia Reichert – que já haviam sidos indicados ao Oscar em 2010 pelo documentário sobre o fechamento da General Motors – acompanham por mais de dois anos toda a estrutura organizacional da empresa, indo desde o CEO até o segurança.

O que torna American Factory minimamente interessante é este exercício empírico de ver como os dois povos contrastam. Logo no início do filme, quando os funcionários vindos do Oriente recebem instruções sobre como deveriam agir nos EUA, o instrutor fala “Dá até para fazer piada com o presidente que não acontece nada”. Em outro momento, há uma reunião na China e, enquanto todos os empresários locais estão de terno, um dos americanos vai com a camisa de malha do clássico Tubarão. Mais contrastante ainda é quando os funcionários da fábrica chinesa são organizados em uma fila e agem praticamente como robôs, abandonando seus nomes por uma numeração fixa.

A sobriedade e a mínima interferência no trabalho documental de Bognar e Reichert impede que haja um maniqueísmo e a “vilanização” de algum dos lados. São apenas culturas diferentes. Em um polo há a insaciável busca pelo american way of life e no outro há a extrema valorização do trabalho. Um dos chineses afirma “Nos EUA, eles se preocupam em fazer dinheiro. Aqui, nós queremos fazer vidro”. O trabalho é tanto meio quanto fim em si mesmo.

Se a miscigenação cultural é tratada como uma consequência natural da globalização, a abordagem não é tão imparcial quando a história ruma para uma votação sobre a entrada do sindicato trabalhista na Fuyao, após diversos acidentes com funcionários. Uma das principais maneiras de se expressar como um documentarista é escolher o que é gravado e o que fica fora da edição. A inserção de depoimentos dos que sofreram lesões e o discurso de um sindicalista acompanhado por uma trilha sonora indicam o lado daqueles que fizeram o filme.

Ainda que a dupla de diretores dê o devido espaço para o ponto de vista dos patrões, o foco visivelmente está na classe trabalhista. Quando algum superior discursa, a câmera prefere passear nos rostos humanos que reagem a ele. Além disso, eles sabem utilizar a técnica cinematográfica do voice-over para dramatizar o ponto de vista do trabalhador. Afinal, é mais impactante filmar um operário solitário fumando na imensidão branca de Ohio, com sua voz ao fundo relatando suas dificuldades, do que entrevistá-lo de maneira formal e olhando diretamente para a tela. A relação espectador-operário também é expandida quando visita-se seus ambientes familiares, não limitando a enxergá-los apenas como empregados, mas sim como seres humanos.

Por fim, Indústria Americana é competente em quase tudo que faz, mas o documentário não consegue fugir de um formalismo didático, tanto é que poderia ser usado por um professor de geografia em sala de aula para falar sobre globalização. Por isso, é compreensível que nem todos fiquem interessados em ver o dia-a-dia de como funciona uma fábrica de vidros. Já para os que se interessam por trocas culturais, é prazeroso ver cenas peculiares como um grupo de americanos dançando YMCA para uma multidão de chineses. Como não procuram dar respostas, Bognar e Reichert deixam a pergunta no ar: o trabalho é apenas uma forma de ganhar dinheiro ou ele é glorificante por si só?
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