Relacione a moralidade e as paixões a que Adam Smith se refere com a sua teoria do valor.
Soluções para a tarefa
O ponto de partida deste artigo são os trabalhos de antropólogos e historiadores - Karl Polanyi (1980; 1976), Moses Finley (1986), Marshall Sahlins (1972), Louis Dumont (1977) e outros - que chamaram a atenção para a ausência do conceito de “uma economia”, do arranjo de conceitos que conformam aquilo que hoje chamamos de “economia”, nas diferentes sociedades que antecederam a Modernidade, uma ausência que ainda se fazia notar em pleno século XVIII. É claro que isto não quer dizer que anteriormente não tenha existido algum tipo de reflexão sobre os assuntos que, hoje em dia, nos parecem inequivocamente econômicos: o trabalho, as trocas, o dinheiro, os preços etc. O que não havia era a combinação destes temas em um conjunto unitário e articulado de saberes, dotado de princípios próprios. Vale dizer, não havia até o século XVIII qualquer sinal de um discurso que tratasse a esfera econômica como um conjunto de atividades compondo um sistema diferenciado no interior das sociedades.
Para os economistas habituados a pensar na história de sua disciplina tal como é ensinada nos manuais de HPE, é provável que esta afirmação desperte desconfiança. Poderiam objetar apontando a presença do discurso econômico nos escritos de mercantilistas do século XVI ou XVII. Ou poderiam apoiar suas reservas na autoridade de Schumpeter (1994: 97), para quem a “economia ganhou uma existência definida, ou até separada” nos tratados de direito e de teologia moral escritos pelos escolásticos entre os séculos XIV e XVII, “e são eles que chegam mais perto que qualquer outro grupo de terem sido os ‘fundadores’ da economia científica”.
Estas objeções, entretanto, não resistem à crítica. Baseiam-se, sobretudo, no anacronismo - pecado capital para quem lida com a história - de atribuir aos mercantilistas e aos escolásticos um ponto de vista que não é o deles: o econômico. No que diz respeito aos mercantilistas, os conceitos que aparecem em seus trabalhos só ganham sentido se pensados do ponto de vista da organização do Estado, do corpo político. Neles, os atos de produção e distribuição material nas sociedades não são representados como ações que integram um sistema destacado da esfera da política, regido por regras próprias, ou que funcione de maneira espontânea e regular (Tribe, 1978: 35; 80-109). No mesmo sentido, Dumont (1977: 33-34) argumenta contra Schumpeter que a existência da economia como uma disciplina separada supõe não apenas a presença dos conceitos que comporão a “matériaprima” para sua reflexão - estes sim, já presentes nos tratados escolásticos - mas também um modo específico de enfocar estes elementos que, para a escolástica, seguiu sendo sempre um ponto de vista não-econômico: ético.
A constatação desta ausência de um discurso econômico até o século XVIII é tão significativa que, uma vez admitida, suscita naturalmente a questão formulada por Louis Dumont no trecho que serve de epígrafe para este trabalho. Uma resposta adequada ao problema da origem da economia deve se desdobrar em, pelo menos, dois momentos. O primeiro, consiste em apontar os fatores que interditaram o surgimento de um discurso econômico nas sociedades que precederam as economias de mercado, fatores que, a nosso ver, repousam na própria estrutura daquelas sociedades, na maneira como as ações voltadas para assegurar sua reprodução material se orientavam por motivações extra-econômicas. Nesse sentido, as condições objetivas de possibilidade de um discurso positivo e autônomo sobre o econômico remontam ao surgimento das economias de mercado (Cerqueira, 2001).