porque a frase "àquela hora todos já estavam cansados" tem crase??
Soluções para a tarefa
As frases têm sentidos diferentes - disse a ele -, indicando orações com sujeitos distintos e ações igualmente dessemelhantes. Começando pela frase mais simples, a número (2), temos "Aquela hora chegou". O sujeito da oração é "aquela hora", e o pronome demonstrativo "aquela" assume aqui a função sintática de adjunto adnominal do núcleo do sujeito (hora). Perceba que o sentido aqui é o de que "algo" chegou, ou seja, uma dada hora, uma certa hora, talvez, uma hora esperada, entendeu?
O aluno prestava atenção e parecia compreender tudo. Mas a dúvida que o incomodava estava mesmo na outra frase, acerca do uso da crase, na expressão "àquela hora".
- Sem problemas, professor - disse-me. Entendi tudo nesta frase (2) - demonstrando que ela não apresentava grandes problemas. Mas a frase (1) tem sentido diverso? E esta crase na expressão "àquela hora"?
- Sim, meu caro. Vamos analisar a frase "Àquela hora, chegou". Aqui, o sujeito da oração está oculto, referindo-se a alguém que tenha chegado - no caso, "ele", o padre desaparecido. Sintaticamente, tal omissão indica o que se denomina, em sintaxe, de sujeito oculto, desinencial ou elíptico. Portanto, teremos "Àquela hora, (ele) chegou" ou, desfazendo-se a inversão a que se procedeu, "(Ele) chegou àquela hora".
- Puxa, professor, o sentido, de fato, é outro! Enquanto na frase (2) "uma certa hora" havia chegado, aqui "alguém" é que chegou!
- É isso mesmo! Aliás, o uso desta crase no pronome demonstrativo é obrigatório, pois "àquela hora" é uma locução adverbial de tempo, modificadora na oração do verbo "chegar", devendo ser obrigatoriamente acompanhada do acento grave que indica a tal fusão chamada "crase" (a + aquela = àquela). Vale dizer que algumas locuções adverbiais de tempo, iniciadas pela preposição "em", podem ser formadas substitutivamente pela preposição inicial "a". Nesses casos, usa-se o acento grave da crase.
E, aproveitando, escrevi a ele alguns exemplos:
- Veja as frases:
"Àquela hora tudo estava calmo" ou "Naquela hora tudo estava calmo";
"Àquele tempo, a vida era difícil" ou "Naquele tempo, a vida era difícil". Ou, ainda:
"Àquela hora, aquela hora era a melhor hora!" ou "Naquela hora, aquela hora era a melhor hora!".
E, arrematando o raciocínio, à luz da frase proposta (1), concluí:
- Portanto, teremos "Àquela hora, (ele) chegou", indicando que o sentido aqui é o de que o padre teria chegado a algum lugar em uma certa hora, em um certo momento, temporalmente identificados.
- Nossa, Professor, há uma grande diferença! - exclamou o aluno. Devo, então, usar a crase nas locuções adverbiais em que se pode fazer a correlação "À-NA" ou "ÀQUELA-NAQUELA" (à / àquelasaída da escola = na / naquela saída da escola)?
- Sim, sem problemas. É um bom macete... O fato é que o uso da preposição "em" é mais comum na fala coloquial, e o "a" com o acento grave indicador da crase sugere uma escrita mais elegante e erudita. O importante é lembrar-se de que a regra do acento grave para o pronome demonstrativo vale para outras expressões adverbiais, tais como àquela altura, àquela época, àquele dia, àquele tempo, àqueloutro, àqueloutra, entre outras.
- Agora, sim, professor, eu entendi o porquê da crase na expressão "àquela hora".... Aliás, estou com uma questão de vestibular aqui comigo, exatamente sobre este tema, e noto que, "após sua explicação", o teste teria ficado bem fácil... (risos)
O aluno mostrou-me a frase considerada correta, em prova de Língua Portuguesa realizada em vestibular da Fundação Getúlio Vargas:
- A alternativa correta - disse-me - trouxe a frase "_____ hora, eu estava viajando para o Rio de Janeiro" (Aquela / Àquela), devendo o candidato preencher a lacuna com o pronome "Àquela" (com crase).
- É um bom teste - comentei -, principalmente para os que sabem...(risos)
Fazendo um trocadilho, despedi-me do aluno, comentando com humor o desafio destes vestibulandos:
- Para os candidatos, na prova, "aquela hora teria sido boa se, àquela hora, tivessem se lembrado dessas explicações..."