O texto a seguir, do historiador Ulpiano Menezes, faz uma análise da tela de Benedito Calixto sobre a fun-dação de São Vicente e as suas leituras históricas possíveis. Observe a imagem e leia-o para responder àsquestões propostas:Um visitante desprevenido, desejoso de saber com que outros documentos se faz História, além dos pa-péis dos arquivos, certamente ficaria confuso se se dirigisse a um museu histórico tradicional – e não sóno Brasil. Com efeito, teria a impressão de que, nos museus, a matéria-prima do conhecimento históricose constitui basicamente de móveis de aparato, porcelanas (de preferência brasonadas), armas vistosase pinturas a óleo – retratos de personagens ilustres, cerimônias, cenas de batalha, etc. Aliás, os museushistóricos antigos podiam ser confundidos com museus de artes decorativas, categoria cuja natureza,hoje, tem suscitado discussões.A vinculação destes museus históricos ao domínio estético não é mero acaso. Muitos deles, no modeloeuropeu, derivaram de museus de arte antiga. Além disso, o papel nobilitante das ar-tes, para comunicar valores cívicos, sempre foi eficaz. No universo das imagens, es-pecialmente, temos campo fértil para fixar sínteses simbólicas de alto impacto. [...]A tela, [de Benedito Calixto] datada de 1900, retrata o desembarque de Martim Afonso de Souza, com cen-tenas de companheiros, no futuro local de São Vicente, em 1532, onde fundaria oficialmente a primeira vila do Brasil.[...]A ação não é dramática, concentrada, mas narrativa, incorporando situações diversificadas e ocupandotodos os planos. Os indígenas comparecem em todos eles. E se nas extremidades, no primeiro plano,parece haver alguma tensão (um soldado português desembainhou a espada; olhando em sua direção,alguns índios se agitam), em todos os demais pontos há mescla de índios e europeus, em tranquilidadee desenvolvendo variada gama de comportamentos: diálogo com a comitiva de Martim Afonso de Souza(que constitui a ação principal), ou com missionários mais adiante, ou ainda bem longe, à beira-mar, naorla da mata, ou, até mesmo, brincadeiras de curumins.A preocupação com o detalhe preciso é evidente: transparece nas roupas e armas, nos adornos e outrosartefatos de portugueses e aborígines, assim como no interior da maloca. Estaria nesta precisão o valor documental da pintura? [...].Não há, por exemplo, nenhuma preocupação com assinalar a paisagem original ou algum traço físico doassentamento. É que aqui, a cidade (vila) não aparece, como tipo de assentamento, mas como modo par-ticular, formalmente determinado e explícito, de apropriação simbólica do território. Daí a importânciafundamental dos suportes de sentido: cruzeiro, bandeiras, estandartes, armas, indumentária, gestos e expressões, etc.Note-se que, por isso mesmo, a oposição mais forte entre brancos e índios não se dá ao nível da aparência corporal, dos equipamentos ou armas em geral. É verdade que aparecem alabardas e es-padas metálicas diante de tacapes e flechas; vestimentas requintadas e volumosas diante de peles eplumas; naus, diante de uma modesta urna cerâmica funerária. Mas não se opõem valores, nem se acentuam as distâncias.[...]Em suma, esta tela de Calixto é importante documento histórico, mas não relativamente ao século XVI.Na verdade, sabemos que a marca da colonização portuguesa não foi a ocupação de território, mas aexploração de recursos; o povoamento terá caráter eminentemente rural, de grande autonomia, e com um tipo de urbanização muitíssimo particular.Em compensação, a tela nos remete aos tempos em que foi produzida e consumida. Ela é, sim, documen-to das necessidades simbólicas vividas por Calixto e sua sociedade, no final do século passado [N.E.: século XIX], procurando inventar uma história para a nação ainda jovem – e já superados os ressentimentoscom a antiga metrópole.A ocupação de território – ação expressa, em seu nível formal, como pacífica, nobre e tranquila, feitasob a égide da fé cristã e da coroa lusitana – integra os novos espaços e seus habitantes a um mundo já definido e superior [...].Uma tela como esta é fonte preciosa de informações para reconstruir e entender o imaginário de sua época.(MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. Pintura histórica: documento histórico? Caderno de Sábado.Jornal da Tarde/O Estado de S. Paulo, 27 jul. 1991.)a) De acordo com o texto, quais documentos predominam nos museus brasileiros e internacionais?b) Segundo Ulpiano, o que as artes permitem comunicar?c) Por que a tela de Benedito Calixto informa mais sobre o período em que foi produzida do que sobre oséculo XVI?
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a) Como diz o texto, uma vez que os museus históricos estão apinhados de peças de mobiliário, mesas, aparadores, porcelanas, armas antigas, bandeiras, telas, mais se referem às artes antigas do que aos fatos históricos relevantes.
b) Todos os ítens de arte, em museus especialmente, têm a função de transmitirem essa estética opulenta e europeia a todas as gerações vindouras como um único padrão a ser aceito.
c) A tela acaba por expressar formalmente como a ocupação portuguesa seria pacífica, nobre e tranquila, sob a fé cristã e da coroa lusitana, de modo a integrar os novos espaços e seus habitantes a um mundo já definido e superior. Essa era uma preocupação no tempo de Calixto, já no século XX, de criar uma imagem nacional agradável. Na verdade, essa ocupação portuguesa no Brasil do século XVI ocorreu de forma violenta, inescrupulosa, através do assassinato dos nativos e de saque das riquezas da terra.
b) Todos os ítens de arte, em museus especialmente, têm a função de transmitirem essa estética opulenta e europeia a todas as gerações vindouras como um único padrão a ser aceito.
c) A tela acaba por expressar formalmente como a ocupação portuguesa seria pacífica, nobre e tranquila, sob a fé cristã e da coroa lusitana, de modo a integrar os novos espaços e seus habitantes a um mundo já definido e superior. Essa era uma preocupação no tempo de Calixto, já no século XX, de criar uma imagem nacional agradável. Na verdade, essa ocupação portuguesa no Brasil do século XVI ocorreu de forma violenta, inescrupulosa, através do assassinato dos nativos e de saque das riquezas da terra.
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