o que provavelmente causou a extinção de grande parte das espécies de australopitecos
Soluções para a tarefa
É irônico que o fóssil no centro do debate sobre o papel do arborismo na evolução humana tenha morrido por ferimentos sofridos na queda de uma árvore — comenta John Kappelman, professor de antropologia e ciências geológicas da universidade.
Kappelman teve a oportunidade de estudar Lucy pela primeira vez em 2008, quando o fóssil fez uma viagem por diversos museus americanos. Na época, os restos do esqueleto — 40% completo — fizeram uma escala de dez dias num laboratório de tomografia computadorizada na Universidade do Texas. Lá, Kappelman e Richard Ketcham, também professor da instituição, usaram uma máquina desenhada para escanear o interior de materiais tão sólidos quanto uma pedra e com uma resolução maior que as tomografias clínicas para um cuidadoso exame do fóssil, “fatiando” o esqueleto em mais de 35 mil imagens.
— A Lucy é preciosa. E só há uma Lucy, então é natural querer estudá-la o máximo possível — destaca Ketcham. — E a tomografia computadorizada não é destrutiva, permitindo que vejamos dentro do fóssil, seus detalhes internos e os arranjos de seus ossos.
Foi então que, analisando as imagens de Lucy, Kappelman notou algo incomum: a ponta de seu úmero (o maior osso do braço, na parte superior do membro) direito apresentava quebras que não são normalmente vistas em fósseis devido às movimentações do solo durante sua fossilização, mas sim uma série de fraturas bem definidas, com os fragmentos e estilhaços de ossos ainda no lugar.
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— Este tipo de fratura por compressão costuma resultar de quando a mão atinge o chão em uma queda, impactando as partes do braço e ombro umas contra outras para criar este tipo de assinatura única no úmero — explica Kappelman, que consultou Stephen Pearce, cirurgião ortopedista na Clínica de Ossos e Juntas de Austin, usando um modelo em escala humana dos restos de Lucy impresso em 3D, e o médico confirmou que os danos são similares aos sofridos por pessoas que caem de alturas consideráveis, conscientemente esticando os braços numa tentativa de “frear” a queda.
Modelo tridimensional do rosto de Lucy, exemplar de Australopithecus afarensis que viveu há 3,2 milhões de anos Foto: Pat Sullivan / AP
Modelo tridimensional do rosto de Lucy, exemplar de Australopithecus afarensis que viveu há 3,2 milhões de anos Foto: Pat Sullivan / AP
Além das lesões no úmero direito, Kappelman observou ferimentos no ombro esquerdo e outras fraturas por compressão espalhadas pelo esqueleto de Lucy, inclusive do pilão tibial (perna) direito, do joelho esquerdo, da pelve e da primeira costela — “uma marca de um trauma severo”, destaca ele —, que seriam todas condizentes com uma queda. E, sem nenhum sinal de calcificação (cura) dos ossos, os cientistas concluíram então que estas fraturas ocorreram bem perto da hora da morte.
Restava a Kappelman e colegas, porém, demonstrar de onde Lucy poderia ter caído. Para tanto, os cientistas primeiro buscaram reconstruções de como era seu habitat na região de Hadar, na atual Etiópia, há tantos milhões de anos. Eles verificaram que, de acordo com estes estudos anteriores, existia ali um bosque de savana, com árvores de grande porte que ela poderia escalar.
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Além disso, devido ao seu pequeno tamanho — aproximadamente um metro de altura e pesando apenas cerca de 30 quilos — Lucy possivelmente tanto procurava alimentos quanto buscava refúgio à noite no alto de árvores. Comparando seu provável comportamento com os atuais chimpanzés, os pesquisadores sugerem que ela caiu de uma altura de pouco mais de 13 metros, atingindo o chão a uma velocidade de quase 60 km/h. Por fim, com base no padrão das fraturas observadas, Kappelman acredita que ela caiu com os pés primeiro antes de tentar aparar o impacto com os braços e depois bateu de frente com o corpo no chão.
— Daí, a morte se seguiu rapidamente — diz Kappelman. — Quando a extensão dos múltiplos ferimentos de Lucy se revelaram, a imagem dela surgiu na minha frente e senti um impulso de empatia através do tempo e do espaço. Lucy não era mais simplesmente um monte de ossos numa caixa. Na sua morte, ela se tornou um indivíduo real: um pequeno e alquebrado corpo estirado sem socorro na base de uma árvore.
Kappelman especula que, se Lucy tinha hábitos tanto terrestres quanto arbóreos, as características corporais que a ajudavam a se locomover mais eficientemente no chão podem ter comprometido sua habilidade em escalar árvores, predispondo sua espécie a quedas fatais frequentes, como a dela. Ele conta esperar ainda que estudos semelhantes de outros fósseis revelem lesões similares que ajudem a melhorar nossa compreensão de como estes antigos ancestrais humanos viviam e morriam.