o que os reformadores criaram para melhoria da sociedade
Soluções para a tarefa
Nos dias atuais, ao se falar sobre o direito à educação, logo surgem à mente algumas características intrínsecas a esse debate, como o fato de que ela deve ser para todos e oferecida gratuitamente, obrigatória sua frequência em determinado nível de ensino e de que cabe ao Estado se responsabilizar pela sua oferta e manutenção. Nesse sentido, é ampla a produção científica sobre o direito à educação mediante a vertente de análise da educação como um direito social, que teria surgido como fruto da Revolução Francesa, no século XVIII. Entretanto, apesar dos princípios de universalidade, gratuidade, laicidade e obrigatoriedade que compõem este direito como o que se concebe hoje serem muitas vezes apresentados como conquista da Revolução Francesa (Lopes, 1981), é possível encontrar em um período anterior muitas das suas características.
Sendo assim, o objetivo desta análise é contribuir para a ampliação do debate sobre as origens do direito à educação, discutindo a emergência da educação como uma responsabilidade do Estado, a partir de seus interesses (raison d'Etat1).
Para produzir tal debate, ainda incipiente no Brasil, buscou-se analisar o movimento da Reforma Protestante do século XVI e, especificamente, as ações de Martinho Lutero como o grande propulsor da defesa do Estado, como o responsável pela educação escolar. A bibliografia pesquisada tem como base os próprios escritos de Lutero. Podem-se encontrar muitas obras produzidas no Brasil, ou traduzidas para a língua portuguesa, sobre esse movimento e personagem, mas em geral são trabalhos de cunho confessional-apologético, sendo raros os de caráter acadêmico.
A fonte principal para estas análises são os trabalhos do próprio Lutero, bem como os dos historiadores da educação e demais autores, muitos dos quais alemães, norte-americanos e ingleses; o estudo das demais produções sobre o assunto procurou atentar para que as publicações de caráter confessional e proselitista não interferissem no sentido acadêmico do trabalho.
Ao discutir a origem do papel do Estado no que diz respeito ao direito à educação, é necessário resgatar a atuação da Igreja Católica quanto à oferta da educação escolar, visto ter sido esta, desde o século V, a responsável por oferecer instrução com o objetivo de formar crianças e jovens com aspirações à vida religiosa. A relação de interdependência entre Igreja e Educação, que se intensifica ainda mais durante a Idade Média, acaba, no transcorrer do século XVI, passando por um processo de intensas transformações, tendo o movimento protestante contribuído amplamente para essas mudanças.
A Reforma Protestante, que teve como cenário a Alemanha do início do século XVI, se inicia como um movimento de ordem religiosa, acaba, entretanto, ultrapassando esse âmbito e influenciando, quando não suscitando, movimentos de reforma nas demais áreas da sociedade. Esse é o século em que entra em decadência a estrutura da sociedade medieval; inicia-se o Renascimento, além de "tomar corpo a Modernidade com quase todas as suas características: a secularização, o individualismo, o domínio da natureza, o Estado moderno (territorial e burocrático), a afirmação da burguesia e da economia de mercado e capitalista no sentido próprio etc." (Cambi, 1999, p.243), ainda que essas características tenham sido confirmadas como estrutura de uma época histórica somente no século seguinte.
Em um período de profundas transformações, Martinho Lutero (1483-1546), monge da ordem de Santo Agostinho, inicia um movimento de reforma da Igreja Católica. Após tornar-se doutor em Teologia, Lutero passa a questionar o poder absoluto do papa e as práticas da própria Igreja em suas cobranças de indulgências, abusos e corrupções, defendendo o sacerdócio universal de todos os cristãos, o livre acesso às Escrituras, entre outros.
A atuação de Lutero, contudo, vai além da de um teólogo e erudito; ele apresenta seus escritos e suas teses mostrando ser um homem preocupado com as questões da Igreja, para as quais faz propostas de mudança que acabam envolvendo alterações no desenvolvimento de seu país como um todo e, por isso, também na educação. Sem entender que a Reforma Protestante tenha se restringido à pessoa de Lutero e ao seu país de origem, mas porque foi ele o precursor e quem apresentou, em um movimento de reforma religiosa, propostas concretas para uma reforma na educação escolar, cabe aqui a análise do quanto as suas ações contribuíram para a ampliação dos princípios do direito à educação, bem como para sua efetivação.