O que foi a revolução russa?
Soluções para a tarefa
100 anos do fracasso da revolução russa
Emma Goldman
Ficam agora bem claros os motivos que fizeram com que a Revolução Russa, tal como foi conduzida pelo Partido Comunista, fosse um fracasso. O poder político do partido, organizado e centralizado no Estado, procurou manter-se utilizando todos os meios de que dispunha. As autoridades centrais tentaram fazer com que o povo agisse de acordo com modelos que correspondiam aos propósitos do Partido, cujo único objetivo era fortalecer o Estado e monopolizar todas as atividades econômicas, políticas e sociais e até mesmo as manifestações culturais. A revolução tinha objetivos totalmente diferentes pelas suas próprias características, era a negação do princípio da Autoridade e da centralização. Ela lutava para alargar ainda mais os meios de expressão do proletariado e multiplicar as fases do esforço individual e coletivo. Os objetivos e as tendências da Revolução eram diametralmente opostos àqueles do Partido Governante.
Igualmente opostos eram os métodos da Revolução e do Estado. Os da primeira eram inspirados pelo espírito da Revolução, ou seja, libertar-se de todas as forças de opressão e todos os limites - eram, em resumo, princípios de livre-arbítrio. Os métodos do Estado, pelo contrário - tanto do Estado Bolchevique quanto de todo o Governo ? baseavam-se na coação, que com o decorrer do tempo transformou-se, necessariamente, em violência sistemática, tirania e terrorismo. Desse modo, duas tendências opostas lutavam pela supremacia: o Estado Bolchevique contra a Revolução. Essa era uma luta de vida e morte: as duas tendências, contraditórias tanto nos seus objetivos quanto nos métodos que utilizavam, não conseguiam agir harmoniosamente: o triunfo do Estado significava a derrota da Revolução.
Seria um erro presumir que o fracasso da Revolução deveu-se inteiramente ao caráter dos bolcheviques. Basicamente, esse fracasso foi uma conseqüência dos princípios e métodos do bolchevismo. Eram os princípios e o espírito autoritários do Estado sufocando as aspirações libertárias e liberalizantes. Fosse qual fosse o partido que estivesse no controle do governo da Rússia, os resultados teriam sido essencialmente os mesmos.
Não foram tanto os bolcheviques que acabaram com a Revolução Russa quanto a idéia Bolchevique. Era uma idéia marxista, embora modificada. Era, em resumo, um governismo fanático. A Revolução Russa é um reflexo, em pequena escala, da luta de séculos entre o princípio do livre-arbítrio e o autoritarismo. Pois o que é o progresso senão uma aceitação mais ampla do princípio da liberdade contra aquele da coação? A Revolução Russa foi um passo em direção à liberdade, frustrado pelo Partido Bolchevique, pela vitória temporária de reacionários conceitos governistas...
O princípio do livre-arbítrio era forte nos primeiros dias da Revolução, a necessidade de expressar-se livremente absorvia tudo. Mas quando a primeira onda de entusiasmo recuou na maré baixa da vida cotidiana e prosaica, era preciso que houvesse uma convicção muito firme para que o fogo permanecesse aceso. Havia apenas um punhado de gente em toda a vastidão da Rússia capaz de manter aquela chama viva - os Anarquistas, uma minoria cujos esforços, totalmente suprimidos sob o governo do Czar, ainda não tinham tido tempo de dar frutos. O povo russo, até certo ponto anarquista por instinto, conhecia ainda muito pouco os verdadeiros princípios e métodos do livre-arbítrio para aplicá-los na vida diária. A maioria dos anarquistas russos ainda estava, infelizmente, enredada nas malhas de atividades de pequenos grupos e de tentativas individuais contra os esforços coletivos bem mais importantes e eficazes...
Mas o fracasso dos Anarquistas na Revolução Russa - no sentido a que acabamos de aludir - não prova a derrota do conceito de livre-arbítrio. Ao contrário, a Revolução Russa demonstrou, além de qualquer dúvida, que a idéia do Estado, de Estado Socialista em todas as suas manifestações (econômicas, políticas, sociais e educacionais) está inteira e completamente falida. Nunca antes, em toda a História, a Autoridade, o Governo e o Estado demonstraram ser tão inerentemente estáticos, reacionários e até mesmo contra-revolucionários em seus efeitos, em resumo: a própria antítese da Revolução.