Português, perguntado por geiciele5841, 1 ano atrás

O Mulungu do bebedouro cobria-se de arribações. Mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo. Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e, como em redor não havia comida, seguiam viagem para o sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado. Sinha Vitória falou assim, mas Fabiano resmungou, franziu a testa, achando a frase extravagante. Aves matarem bois e cabras, que lembrança! Olhou a mulher, desconfiado, julgou que ela estivesse tresvariando. [...] Fabiano estirou o beiço e enrugou mais a testa suada: impossível compreender a intenção da mulher. [...] — Chi! Que fim de mundo! Não permaneceria ali muito tempo. No silêncio comprido só se ouvia um rumor de asas. Como era que sinha Vitória tinha dito? A frase dela tornou ao espírito de Fabiano e logo a significação apareceu. As arribações bebiam a água. Bem. O gado curtia sede e morria. Muito bem. As arribações matavam o gado. Estava certo. Matutando, a gente via que era assim, mas sinha Vitória largava tiradas embaraçosas. Agora Fabiano percebia o que ela queria dizer. Esqueceu a infelicidade próxima, riu-se encantado com a esperteza de sinha Vitória. Uma pessoa como aquela valia ouro. Tinha ideias, sim senhor, tinha muita coisa no miolo. Nas situações difíceis encontrava saída. Então! Descobrir que as arribações matavam o gado! E matavam. Àquela hora o mulungu do bebedouro, sem folhas e sem flores, uma garrancharia pelada, enfeitava-se de penas. [...] Alargou o passo, desceu a ladeira, pisou a terra de aluvião, aproximou-se do bebedouro. Havia um bater doido de asas por cima da poça de água preta, a garrancheira do mulungu estava completamente invisível. Pestes. Quando elas desciam do sertão, acabava-se tudo. O gado ia finar-se, até os espinhos secariam. Suspirou. Que havia de fazer? Fugir de novo, aboletar-se noutro lugar, recomeçar a vida. [...] RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 74. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record. 1998, p. 108-110. De acordo com esse trecho de Vidas Secas, inserido na obra, é verdadeiro o que se afirma nas proposições (01) A personagem Fabiano aparece nessa narrativa — uma produção regionalista do Modernismo da década de 30 — como um representante do sertanejo, de consciência embotada e raciocínio lento. (02) O texto apresenta mais de um sujeito discursivo, pois a personagem sinha Vitória vai gradativamente ocupando todo o espaço no pensamento de Fabiano. (04) A personagem Fabiano, no seu circuito de fugas sem causas bem determinadas, torna-se cada vez mais fragilizada aos olhos da família. (08) O pensamento de sinha Vitória incita a curiosidade de Fabiano e ele percebe a realidade da seca transfigurada poeticamente. (16) Sinha Vitória, na narrativa, representa um elemento humano que possui um olhar capaz de compactar uma multiplicidade de imagens no sertão nordestino. (32) A narrativa deixa evidente um estilo pseudoacadêmico do narrador, que prevalecerá por toda a obra.

Soluções para a tarefa

Respondido por waltercaminha
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Olá, tudo bem? Vou te ajudar nessa questão:

Vamos analisar as afirmativas e somar os pontos das verdadeiras.

(01) Verdadeira. As características de Fabiano constroem a imagem do sertanejo típico.

(02) Verdadeira. Há uma crescente presença de Sinhá Vitória na narrativa.

(04) Falsa. Assim como as mudanças que fazem a família migrar, Fabiano é visto de maneira cíclica por sua família.

(08) Verdadeira. A partir das "tiradas embaraçosas" de sua esposa, Fabiano percebeu a seca de maneira mais poética.

(16) Verdadeira. Sinhá Vitória tem um papel importante na construção poética da realidade sertaneja na narrativa.

(32) Falsa. O narrador adota um estilo informal, mais próximo do sertanejo.

Logo, a resposta correta é 01 + 02 + 08 + 16 = 27.
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