História, perguntado por mariahlima18, 10 meses atrás

o Haiti é realmente livre ?

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Respondido por raquelcristina28
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Resposta:

O paradoxo entre o discurso da liberdade e a prática da escravidão marcou a ascensão de uma série de nações ocidentais no interior da nascente economia global moderna. O artigo explora o uso da metáfora da escravidão no iluminismo filosófico europeu, e sugere que a "dialética do senhor e do escravo" hegeliana tem raízes mais na história contemporânea - particularmente, nas notícias que chegavam à Europa da Revolução Haitiana de 1791 - do que na tradição herdada pelo filósofo alemão.

Explicação:

No século XVIII, a escravidão havia se tornado a metáfora fundamental da filosofia política ocidental, conotando tudo o que havia de mau nas relações de poder.1 A liberdade, sua antítese conceitual, era considerada pelos pensadores iluministas o valor político supremo e universal. Mas essa metáfora política começou a deitar raízes justamente no momento em que a prática econômica da escravidão - a sistemática e altamente sofisticada escravização capitalista de não europeus como mão de obra nas colônias - se expandia quantitativamente e se intensificava qualitativamente, ao ponto de, em meados do século XVIII, ter chegado a sustentar o sistema econômico do Ocidente como um todo, facilitando, paradoxalmente, a expansão global dos próprios ideais do Iluminismo que tão frontalmente a contradiziam.

Essa discrepância gritante entre pensamento e prática marcou o período de transformação do capitalismo global de sua forma mercantil para sua modalidade proto-industrial. Seria de se esperar que nenhum pensador racional e "esclarecido" deixaria de percebê-la. Contudo, não era esse o caso.

A exploração de milhões de trabalhadores escravos coloniais era aceita com naturalidade pelos próprios pensadores que proclamavam a liberdade como o estado natural do homem e seu direito inalienável. Mesmo numa época em que proclamações teóricas de liberdade se convertiam em ação revolucionária na esfera política, era possível manter nas sombras a economia colonial escravista que funcionava nos bastidores.

Se esse paradoxo não parecia incomodar a consciência lógica dos contemporâneos, talvez seja mais surpreendente que alguns autores, ainda hoje, se disponham a construir histórias do Ocidente na forma de narrativas coerentes do avanço da liberdade humana. As razões não são necessariamente intencionais. Quando histórias nacionais são concebidas como autônomas ou quando aspectos distintos da história são tratados por disciplinas isoladas, as evidências contrárias são marginalizadas e consideradas irrelevantes. Quanto maior a especialização do conhecimento, quanto mais avançado o nível de pesquisa, quanto mais antiga e respeitável a tradição intelectual, tanto mais fácil se torna ignorar os fatos desviantes. Vale lembrar que a especialização e o isolamento representam um risco também para as novas disciplinas, tais como os estudos afro-americanos ou os estudos diaspóricos, que foram criadas precisamente para remediar essa situação. Fronteiras disciplinares fazem com que as evidências contrárias virem problema dos outros. Afinal de contas, um especialista não pode ser especialista em tudo. É razoável. Mas argumentos assim são uma forma de evitar a verdade incômoda segundo a qual se certas constelações de fatos forem capazes de penetrar fundo o bastante na consciência intelectual, ameaçarão não apenas as narrativas veneráveis, mas também as disciplinas acadêmicas entrincheiradas que as (re)produzem. Por exemplo, não há lugar na universidade em que a constelação de pesquisa específica "Hegel e Haiti" pudesse encontrar abrigo. Este é o tema que me interessa aqui, mas seguirei um caminho tortuoso para chegar até ele. Peço que me desculpem, mas esse aparente desvio é o próprio argumento.

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