O grande clandestino
Aníbal Machado
1 Eu me distraio muito com a passagem do tempo.
2 Chego às vezes a dormir. Durmo meses e anos. O tempo então aproveita e passa escondido. Mas que velocidade!
3 Basta ver o estado das coisas depois que desperto: quase todas fora do lugar, ou desaparecidas; outras, com uma prole imensa; outras ainda, alteradas e irreconhecíveis.
4 Se durmo de novo, e acordo, repete-se o fenômeno.
5 Sempre pensei que o tempo fizesse tudo às claras. Oh, não!
6 Eu queria convidá-los a assistir ao que ele tem feito comigo. Mas é espetáculo todo íntimo e não disponho de tribunas.
7 Além do mais, o tempo em pessoa é praticamente invisível, como a ventania. Só se pode apreciar o resultado de seu trabalho, nunca a sua maneira de trabalhar.
8 O que é preciso é nunca dormir e ficar vigilante para obrigá-lo ao menos a disfarçar a evidência de suas metamorfoses.
9 É de fato penoso deixar de ver as coisas tais como as vimos a primeira vez. O tempo tudo transforma e arrasa, sem nos dar aviso.
10 Ora, isso entristece. Isso nos deixa intranquilos. A não ser que nos misturemos com ele, façamos dele um aliado.
11 Aí, sim, destruição e reconstrução se confundem. Sacos e sacos vão se enchendo e esvaziando toda a vida. Perde-se até a ideia da morte. Então a gente aproveita para erigir sistemas, tomar iniciativas, amar, lutar e cantar. O tempo fica assim tão escondido dentro de nós, que se tem a impressão que fugiu para sempre e se esqueceu.
12 Em verdade, ele não repousa nunca. Nem mesmo nas pirâmides. Nem nos horizontes onde parece pernoitar.
13 Rói as pedras como o vento, rói os ossos como o cão. O que mais admira é a extrema delicadeza com que pratica essas violências.
14 Todos falam de sua impassibilidade. Não é bem isso. Tanto assim que aumenta a velocidade, à medida que nos distanciamos de nossas origens. E quase para quando esperamos a solidão.
15 Meu mal é sentir-lhe a passagem como a de um animal na noite. Chego quase a tocar nele. Fico horas à janela vendo-o passar. É um vício.
16 Oh, como se diverte! Para ele, destruir uma árvore, um rosto, uma instituição, uma catedral – tanto faz.
17 O desagradável é quando de repente se retira dalgum objeto ou de alguém. É claro que prossegue depois, mas deixa uma coisa morta. Franqueza, nessa hora dá um aperto no coração, uma nostalgia! ...
18 Contudo, não se deve ligar demasiada importância ao tempo. Ele corre de qualquer maneira.
19 E é até possível que não exista.
20 Seu propósito é envelhecer o mundo.
21 Mas a resposta do mundo é renascer sempre para o tempo.
Seleta em prosa e verso. Seleção Fauto Cunha. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 116
ANÍBAL MACHADO (1894-1964), escritor mineiro, nascido em Sabará. Alguns de seus contos tornaram-se famosos e se tornaram filmes: “A Morte da Porta-Estandarte”, “Tati, a Garota”, “O Iniciado do Vento”. Escreveu um único romance, João Ternura. Era pai da teatróloga Maria Clara Machado, autora da peça O Cavalinho Azul.
A crônica de Aníbal Machado desenvolve a reflexão sobre o tempo em três movimentos temáticos: 1- A percepção do tempo; 2- As transformações causadas pelo tempo; 3- A importância que se deve dar ao tempo.
O segundo movimento localiza-se entre os parágrafos:
A
4 e 13.
B
6 e 10.
C
9 e 17
D
11 e 14
Soluções para a tarefa
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21
Resposta:
C
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12
Resposta:
Alternativa letra C
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