O fragmento que vem a seguir foi extraído da peça Castro Alves pede passagem, de Gianfrancesco Guarnieri, levada ao palco no início da década de 70. A passagem aqui transcrita simula uma entrevista num desses conhecidos programas de variedade da televisão brasileira, realizados na presença do auditório. O entrevistado é o poeta Castro Alves, e os entrevistadores, uma cantora jovem, um jornalista, um cantor jovem, um dos telespectadores, todos mediados pelo apresentador do programa.
Apresentador - Sua perguntinha, minha querida.
Cantora - Castro Alves, onde e quando você nasceu?
Castro Alves - Sou baiano. Nasci às 10 horas da manhã, de um domingo, dia 14 de março de 1847, na fazenda cabaceiras, à margem do Rio Paraguaçu, sete léguas distante de Curralinhos, hoje cidade que tem meu nome.
Apresentador – O representante dos jornalistas (Palmas). Rápido, por favor.
Jornalista - Castro Alves, você se considera mais um poeta lírico do que um poeta engajado, ou vice-versa?
Castro Alves – Considero-me um poeta. Integrado no meu tempo. Cantei a natureza, a mulher, o amor e vivi a causa do meu século: entreguei-me inteiro à causa dos escravos.
Apresentador – Muito bem... O representante dos cantores da juventude (Palmas, gritos).
Cantor jovem – Bicho. Você continua curtindo essa de sentir o borbulhar do gênio?
Castro Alves – Não, bicho. A chama se apagou. Com ela a vida e a minha poesia... Há outros, muitos outros, com suas estórias, sua arte, seu amor. O meu foi feito, ficou.
Cantor jovem – Você acha, então, bicho, que sua poesia já era?
Castro Alves – Minha poesia é. Morre o poeta, não morre a poesia. Esta continua, no canto feito, no canto sendo feito, no canto futuro... Na tua guitarra, quem sabe?
Apresentador – O representante dos telespectadores.
Telespectador – Pois não... Senhor Castro Alves, eu conhecia o senhor muito de nome, mas prá falar a verdade, não conhecia muita coisa sua não... Sabia do “Navio dos Negreiros” e a... como é...a...a... “Canção da África”...
Jornalista – “Vozes d’África”.
Telespectador – Pois é, essa daí... gostei viu? Gostei muito... Cheio de dramaticidade, muita verdade também... A verdadeira poesia realista...
Jornalista – Não diz bobagem.
Telespectador – Bobagem, não, péra aí. Eu me explico como eu sei... (Palmas)
Apresentador- Vamos com ordem, meus amigos. Cada qual tem sua vez. Continue, rapidinho, sim...
Telespectador – Admiro um jornalista falar dessa maneira... Não tenho cultura, mas tenho educação, eu... Olha aí... fez até eu perdê o fio da meada... Ah, sim... Pois é... Só conhecia essas. Mas prá vim pro programa, peguei uns livro aí e li. E fiquei espantado, com toda a sinceridade. Espantado com as poesias pras mulheres. Eu queria perguntá pro senhor, com todo o respeito, afinal de contas eu não sou nenhum letrado, o senhor é, é até poeta... Mas eu pergunto: é possível amá tanta mulher assim numa noite só?
(São Paulo, Palco + Platéia Editora, 1971. p. 12-4.)
1. O texto, como se nota, procura utilizar o registro lingüístico apropriado a cada um dos personagens.
a) Qual dos personagens usa o registro mais ajustado àquilo que costumamos chamar de norma culta?
b) Aponte, na fala desse personagem, algumas característica desse padrão de fala.
2. Ao se dirigir ao cantor jovem, Castro Alves usa o tratamento bicho, a única gíria que ocorre na sua fala. Que efeito pretendeu o poeta com isso?
3. Na fala do telespectador, ao contrário de Castro Alves, há muitos usos típicos da fala coloquial popular, que apresenta muitas diferenças em relação à chamada norma culta. Indique dois usos da fala coloquial popular que aparecem no texto.
4. O telespectador é o único entrevistador que é corrigido e ridicularizado por outro entrevistador. Qual a razão desse tipo de atitude?
5. Logo no início do texto, o apresentador, dirigindo-se à cantora jovem, explora dois recursos muito comumente usados no tratamento com crianças.
a) Quais são esses dois recursos é que efeito isso produz?
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Resposta: a) Castro Alves
Explicação: b)Minha poesia é. Morre o poeta, não morre a poesia. Esta continua, no canto feito, no canto sendo feito, no canto futuro... Na tua guitarra, quem sabe?
2 - efeito de corrigir o jovem ao se referir a ele.
3 - Admiro um jornalista falar dessa maneira,Cheio de dramaticidade, muita verdade também.
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