Português, perguntado por francisco97554, 7 meses atrás

O ESCREVE-E-APAGA
No ano de 1962, os alunos da segunda série do primário da Escola Municipal Melo Viana, da cidade de Monte Carmelo, só podiam escrever as lições de aritmética na pequena lousa da mesa. Já as de português, eram no caderno.
Assim, a menina Nice, recém chegada no município, acabava se confundindo toda. Ela tinha sete anos quando seus pais retornaram a sua cidade de origem. Era a sua segunda semana naquele colégio, e as crianças já pareciam olhá-la de jeito estranho. Não entendia muito bem por quê, mas preferia ficar quietinha no canto direito e ao fundo da sala para não chamar muita atenção.
Todo dia, sua mãe arrumava um pão com manteiga para ela comer na hora do recreio. Sentada no banco perto da mangueira central do pátio, Nice degustava o lanche calmamente, sozinha com seus pensamentos. Vez ou outra, duas crianças passavam cochichando e rindo dela. Não estava gostando disso, queria chorar.
─ Vou pedir pra mãe me trocar de escola. ─ disse baixinho.
A algazarra de alunos correndo, falando alto e rindo cessou com o sinal para voltar à sala de aula. Nice entrou, pegou o caderno e sentou abraçando-o contra o peito. Lá na frente, a professora Dorinha dizia:
─ Peguem os cadernos, crianças! Vamos continuar com a lição de português. ─ virou-se para o quadro e começou a escrever o cabeçalho ─ Monte Carmelo, 27 de fevereiro de 1962. Olhou para a turma ─ Meninos, prestem atenção, por favor. Guardem a lousa debaixo da carteira. Deixem só o lápis, a borracha e o caderno na mesa. Comecem pelo lado esquerdo da folha. Aqui no quadro, eu vou passar para o outro lado quando acabar, mas vocês continuem se ainda tiver linhas.
Nice olhou com cara de espanto para a Tia Dorinha. Era como se uma nuvem de palavras pairasse na cabecinha dela e derrubasse tudo de uma vez. Era pra virar a página depois que ela passasse para o outro lado do quadro? A lousa ia embaixo da mesa e o lápis ia aonde? Bom, era tarde, ela tinha que copiar. Começou. A letra redondinha era fruto dos cadernos de caligrafia comprados pela mãe, que a ensinou a ler antes de ir para a escola, dois anos atrás. Toda a confusão da pequena era porque não conseguia fazer amigos na sala, mas era uma boa estudante.
─ Dona Dorinha, tudo isso! Ah não? ─ gritou um aluno no fundo da sala.
Nesse momento Nice percebeu que a professora apagava a primeira parte do texto do quadro. Ela olhou para o caderno e de volta para a lousa negra. De novo! Por que mesmo a tia gostava de escrever e apagar? Mas se ela que manda, pegou a borracha e limpou tudo o que tinha escrito em cima.
─ Não vai ficar nada no caderno assim.
Passou as páginas de trás, todas estavam sujas com lascas de borracha e com manchas, algumas até amassadas.
Nice olhou para o lado e viu a coleguinha rindo dela e cochichando com a da frente:
─ Como essa menina é boboca, olha só! ─ cutucou seu ombro. ─ Ela escreve e apaga tudo, coitada!
─ Lá vai a sambanga da roça apagar tudo da folha!
─ Não sabe estudar não, menina?
Risos, vaias, risos. De repente, todas as crianças ao seu redor estavam rindo e apontando o dedo pra ela. Começou a chorar baixinho. Não entendia nada mesmo. Só sabia que queria sair dali. Foi então que a Tia Dorinha se deu conta do tumulto e foi até a sua mesa. Seu olhar foi direto ao caderno e à borracha. Percebeu, depois de duas semanas, o que estava acontecendo com a menina Nice. Deu uma bronca na turma, tirou-a da sala e conversou com ela.
─ Por que você não disse pra mim que estava com dificuldade?
Silêncio. Ela só choramingava. A professora explicou que não era para apagar o que já tinha escrito. Ela só apagava porque o quadro tinha acabado. No caderno era diferente. Mas Nice não quis voltar pra sala. No dia seguinte, também não voltou para a escola. Só sua mãe, para pegar a transferência.
Anos se passaram. Nice só voltou à escola Municipal Melo Viana, depois de adulta. A pequena que escrevia, apagava e era alvo de chacota virou uma mulher independente. Formou-se na segunda turma de Economia das Faculdades Integradas Católica de Brasília. Tornou-se funcionária pública da capital. Depois, secretária executiva do ministro da Economia. A lição da escola passou a ter sentido mais amplo. A vida também é um caderno. Quando se erra, não precisa apagar; só virar a página.
(Nathália Coelho)

Soluções para a tarefa

Respondido por vitorhenares
4

sla, não entendi foi nada

Perguntas interessantes