Na seguinte cena do Auto da Barca do Inferno, o Corregedor e o Procurador dirigem-se à Barca da Glória, depois de se recusarem a entrar na Barca do Inferno.
Corregedor: Ó arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel!
Anjo: Ó pragas pera papel, pera as almas odiosos!
Como vindes preciosos,
sendo filhos da ciência!
Corregedor: Ó ! habeatis clemência
e passai-nos como vossos!
Joane (Parvo): Hou, homens dos breviairos,
rapinastis coelhorum
et perniz perdiguitorum
e mijais nos campanairos !
Corregedo:r Ó! Não nos sejais contrairos,
Pois nom temos outra ponte!
Joane (Parvo): Beleguinis ubi sunt?
Ego latinus macairos.
pera: para
habeatis: tende
homens dos breviairos: homens de leis
Rapinastis coelhorum/Et perniz perdiguitorum:
Recebem coelhos e pernas de perdiz como suborno
Beleguinis ubi sunt?: Onde estão os oficiais de justiça?
Ego latinus macairos: Eu falo latim macarrônico
(Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996, p. 107-109.)
a) De que pecado o Parvo acusa o homem de leis (Corregedor)? Este é o único pecado de que ele é acusado na peça?
b) Com que propósito o latim é empregado pelo Corregedor? E pelo Parvo?
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Resposta:
a) O Corregedor é acusado de se deixar subornar com coelhos e pernas de perdizes. Além disso, o Corregedor é acusado, na peça, de ser desrespeitoso (mijar nos campanários) e de ter explorado os trabalhadores inocentes.
b) Para o Corregedor, o latim é instrumento de autoridade, utilizando-o de forma jurídica, que caracteriza o homem de leis, tipificando a personagem; para o Parvo, ao contrário, é um meio de contestação da autoridade e de zombaria. Consciente de seus erros, declara falar “macarrônico”, isto é, mistura de latim e português.
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