Mitos ou curiosidades sobre a cultura geral
Soluções para a tarefa
Resposta:
Após uma década de 80 em que a literatura retrabalhou, não raro em ficções de prosa negligente, questões identitárias, dezoito nomes convidados pela Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia procuraram responder, em 27 de Abril de 1992, na Casa das Artes (Porto), ao seguinte: «Existe uma cultura portuguesa?» (Silva; Jorge, 1993)
De três núcleos programáticos lançados pelos organizadores, só o primeiro moveu falas e desvios. A formulação era pouco feliz: «No espaço português, de acordo com os seus inúmeros parâmetros, existem decerto variadas culturas, no sentido antropológico do termo. Apesar dessa variedade, terá sentido falar de uma «cultura portuguesa», de traços constantes da nossa identidade? Pode a nossa história identificar essas eventuais constantes?» (p. 11)
O restritivo apesar de dificulta, porquanto a pluralidade é que areja o singular; não se pense, entretanto, que a História foi chamada para a necessária síntese, retomasse embora uns tantos mitos fundadores que mal afloraram as boas consciências. Pena, também, que, tendo lançado pergunta, alguém inquirisse os circunstantes sobre o sentido da discussão. Mais: a segunda de três «sugestões» de Augusto Santos Silva, a abrir, era que o debate não fosse «isolacionista: não nos interessa aqui tentar descobrir uma alegada singularidade de Portugal no mundo; trata-se de procurar situar Portugal na encruzilhada de lugares possíveis no nosso mundo de hoje» (p. 18). Haverá contradição nesta procurada disjunção? Não creio.
Como conciliar traços constantes e essa alegada singularidade, se singularidade existe – seja em regime de periferia, de encruzilhada ou de fronteira –, qual pressupõe interrogação assente numa tradição mal esclarecida e não tão próxima como se vislumbrou? A. Santos Silva esqueceu alegações e cedo pedia a João Pina Cabral que procurasse «definir uma singularidade da realidade portuguesa» (p. 21).
O debate prometia; mas o depoimento raramente foi diálogo, polémica, e a disciplina de cada um sobrepôs-se às intenções dos moderadores. Onde estava o outro? Em parte, num equívoco. No desentendimento entre gente das ciências ditas sociais e cientistas tout court. Um pouco à imagem desta prosa de Alexandre Quintanilha (por onde se vê que a verbalização é perigosa ou a revisão do texto não funciona):
Em relação à cultura penso que, [...] enquanto nos interessamos pelo outro ou pelos outros produzimos, até certo ponto, a nossa identidade. É através dessa curiosidade pelos outros, é da necessidade de conhecer, de aprender, de nos abrirmos a tudo o que é universal e a tudo aquilo que existe à nossa volta e que nos desenvolvemos e que crescemos e que criamos a nossa própria identidade. [...] Penso que no momento em que nos preocupamos em definir essa nossa relação com o outro ou, pior ainda, quando tentamos transformar o outro, nessa altura é que perdemos a nossa identidade. (p. 56)
Como interessar-se por outrem e não definir uma relação, não evoluir para uma transformação recíproca, terna ou violenta? Eis aí forma diversa de introduzir o tema: o que é produzir e perder a identidade? Há ou não culturemas (A. Moles) afectos ao indivíduo e ao colectivo?
Sementes de discórdia não faltaram, mas, até nisso, o encontro foi assaz educado. Quem começasse pelas conclusões dos convidados caía num logro: «Falou-se aqui da cultura erudita, de duas vertentes, a literária e a científica, depois da cultura popular, depois da cultura de massas e finalmente da cultura do quotidiano.» (Boaventura de Sousa Santos, p. 144)
De facto, nem popular, nem de massas, nem do quotidiano, se não foi de aspectos anedóticos. Nem, sequer, literária, e, quanto à científica, fez-se o diagnóstico do nosso atraso e respectivos vícios (que não devem ser levados à conta de constantes identitárias), com, marginalmente, um alerta à educação. A terceira cultura (Brockman, 1997) mal vagia, ainda, na versão americana.
A perquisição de Manoel de Oliveira – «um idioma cinematográfico português» (p. 19-20) – é, dito por Fernando Távora, a mesma de Siza Vieira, que, porém, acrescentaria ao seu idioma arquitectónico a reactiva porosidade aos lugares estrangeiros onde cria. Certos lugares-comuns, úteis, de Oliveira – na breve e única fala – mereciam contradita e reflexão: seríamos povo sem «verdadeiramente um espírito filosófico», mas com «um profundo sentimento metafísico [...] e uma enorme capacidade de assimilação»: «[...] à medida que se assimila transforma-se, dá-se uma fisionomia própria às coisas e que será a nossa expressão portuguesa.»
Explicação: