) Inesquecíveis foram os saraus de fim de ano do Sr. Abner, ali a cultura, a arte e romance se
misturavam. Quantos poemas ouvi, quanto me emocionei! Muitos casamentos saíram dali. Hoje,
recordo-me de tudo com lágrimas quentes descendo dos meus olhos e salgando a boca. Porém o que
permanece em minha memória adocica essa solitária velhice.
( ) Percorro em sonhos a cidadezinha de minha infância. Um largo e caudaloso rio serpenteando a
várzea fértil. A ponte de ferro da charqueada já se encontrava lá toda imponente. A luz elétrica ali
produzida iluminava o centro da cidade. Poucos casarões de pau a pique ao longo da pacata rua Belo
Horizonte, hoje a movimentada avenida Abílio Machado. Impossível esquecer-me da igrejinha do
Rosário com sua torre norte sineira. Às quinze horas, começava um movimento pelas vielas. Lá se
iam as senhoras atraídas pelo tocar do sino. Hora do terço, muito me admirava a fé daquelas pessoas!
Mamãe, com apenas um olhar, recomendava-me silêncio e puxava a turma de carolas com cantos e
orações. Rezávamos até para chover se a seca ameaçasse a plantação. Mas o que mais me
encantava nesta igreja eram as missas das manhãs de domingo. Depois de uma longa homilia,
saíamos a apreciar os poucos carros tipo "Ford Bigode" que circulavam em torno da praça. Ora,
assentávamos nos banquinhos para uma boa prosa. Havia umas prosas de "arrancar picapau do oco".
Enquanto isso, exalava dos casarões um cheirinho de macarronada com galinha caipira que dava
água na boca. Só mesmo atraídos por estes aromas e pelo apito do trem das onze, assinalando o
horário do almoço, é que deixávamos a pracinha do chafariz.
( ) Já as alegrias, vinham com as festas de São João. Fogueira gigante, noite estrelada e não poderia
faltar aquelas broas de fubá com canela, de sabor jamais degustado igual, como aquelas que só vovó
Conceição sabia fazer. Dezembro era pura magia! As chuvas e nossas brincadeiras no lamaçal.
Quanta farra e criatividade! Os meninos abandonavam os carrinhos de lobeira - pequeno arbusto - e
eu as minhas bonecas de retalhos. Como a rua era bem mais atrativa! Tudo ali se tornava fantástico.
Construíamos castelos de barro e imaginávamos uma fábrica de chocolates. Ah chocolate! Só na
imaginação mesmo, pois no empório da dona Gilda, onde se vendia do urinol ao chocolate, tudo era
caríssimo. Comerciante boa era ela! Cartão de crédito era a palavra do freguês.
( ) Quando o inverno chegava, minhas tristezas e alegrias contrastavam. Cortava-me o coração ver
meu pai e mais seis irmãos saírem debaixo de um frio congelante para irem trabalhar arduamente na
lavoura. Eu ficava em casa ajudando mamãe com os afazeres domésticos. Carregar pote de água na
cabeça não era nada divertido. Pelo caminho, sonhava mesmo era carregar minha cartilha e ir para o
Grupo Escolar. Como foi dolorido sair no segundo ano! Mas já sabia ler e isto bastava para as famílias
pobres. Para esvair minha dor, só mesmo o canto e os mexericos das lavadeiras na mina. Sábias,
ludibriavam bem quando eu estava por perto. Jamais envolviam crianças em assuntos de adultos.
2. Encontre os trechos do texto Doces memórias, que situam o(a) leitor(a) no tempo e no espaço
em que as lembranças se desenrolam.
3. Escreva, com suas palavras, quais são os principais fatos lembrados pela entrevistada de
Adrielle.
4. Coloque em destaque os trechos em que a narradora se coloca criticamente em relação ao
passado:
a) O que ela fala da vida na lavoura?
b) Como se sente em relação à vida religiosa da época?
c) Quais eram as carências daquele período e do que ela gostava?
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Resposta:
a)o que ela fala da vida na lavoura
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