Gilberto Freyre e o mito da “democracia racial”
Lilian de Lucca Torres
No livro Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre analisou as relações raciais no Brasil da
perspectiva de uma história em que os conflitos se harmonizam, sendo o sexo e a religião
importantes terrenos em que se teria dado uma aproximação “confraternizante” entre brancos,
índios e negros, mas principalmente entre brancos e negros. Como pensador da geração de 30,
Freyre contrapunha-se às teorias e autores que representavam o Brasil como um país atrasado em
conseqüência não só do clima, mas principalmente do alto grau de miscigenação de sua população.
A colonização do Brasil bem como a própria formação da sociedade brasileira, na visão de
Freyre, estariam “equilibradas sobre antagonismos”. O hibridismo cultural encontrado nas colônias
portuguesas resultaria, segundo o teórico pernambucano, do passado português de povo indefinido
entre a Europa e a África, com sangue mouro e negro correndo nas veias de suas gentes,
plasticidade experimentada, fundamentalmente, na vida íntima, na língua, na alimentação, nas
formas institucionais e nas práticas religiosas, estas últimas relativizadas quanto à moral rígida do
catolicismo medieval.
Para Freyre, a miscigenação que largamente se praticou no Brasil teria corrigido a distância
social que, de outro modo, se conservaria enorme entre a casa-grande e a senzala.
O que a monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido de
aristocratização, extremando a sociedade brasileira em senhores e escravos, com
uma rala e insignificante lambujem de gente livre ensanduichada entre os
extremos antagônicos, foi em grande parte contrariado pelos efeitos sociais da
miscigenação. A índia e a negra a princípio, depois a mulata, a cabrocha, a
quadrarona, a oitavona, tornando-se caseiras, concubinas e até esposas legítimas
dos senhores brancos, agiram poderosamente no sentido de democratização
social no Brasil. Entre filhos mestiços, legítimos e mesmo ilegítimos, havidos
delas pelos senhores brancos, subdividiu-se parte considerável das grandes
propriedades, quebrando-se assim a força das sesmarias feudais e dos
latifúndios do tamanho de reinos (grifos nossos) (Freyre, 2003, p. 33).
Freyre atribuiu ao negro, principalmente ao escravo doméstico, o papel de co-civilizador na
sociedade brasileira. O negro teria não só desempenhado importante função social na constituição
de nossa língua, culinária, crenças, inclusive influenciando nosso desenvolvimento técnico, mas
também exercido forte proeminência sobre os senhores brancos, com sua presença afetiva dentro da
casa-grande e a sempre possível aproximação sexual.
Para Elide Rugai Bastos (2008, p. 29), as relações entre “contrários” - senhores e escravos,
brancos e negros - aparecem, no pensamento freyreano, como um amálgama de elementos
objetivos e subjetivos: escravidão, mas também convivência cotidiana, articulação e
favorecimentos recíprocos. Segundo Gilberto Velho, para Freyre não se tratava “de desconhecer
contradições e conflitos, mas de vê-los como uma dimensão da vida social, presentes tanto no todo
da sociedade, como nas próprias trajetórias individuais” (Velho, 2008, p. 45). Assim, os conflitos
inerentes ao sistema escravocrata seriam relativizados no contexto da família patriarcal através da
intimidade e sociabilidade. Fernando Henrique Cardoso, na introdução à edição comemorativa dos
cinquenta anos da publicação de Casa-grande & senzala, contrariamente aos dois autores
anteriores, argumenta que a noção de “equilíbrio de contrários” é favorável a uma discursividade
mais de “convencimento” do que de “demonstração”. Este é um dos aspectos mais vulneráveis do
pensamento de Gilberto Freyre, do qual deriva a expressão “democracia racial”, aliás, nunca
empregada por Freyre, que usou “democratização social”.
esse acima é o texto.
1- Com base no texto acima, e nas discussões em sala de aula, reflita sobre a importância da
miscigenação na obra Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre; e comente a diferença
entre o ponto de vista de Freyre e o dos pensadores anteriores a ele no que se refere ao
papel da miscigenação para a formação da sociedade brasileira.
2- Descreva a ideia de “antagonismos em equilíbrio” utilizada por Gilberto Freyre para
caracterizar sociedade patriarcal do Brasil Colônia.
3- Embora Gilberto Freyre não tenha utilizado a expressão “democracia racial” em sua obra, a
ele é atribuído o “mito da democracia racial brasileira”. Explique o que vem a ser esse
“mito” e, utilizando-se das ideias do texto, dê sua opinião a respeito dele.
essas são as perguntas... alguém pode me ajudar?
Soluções para a tarefa
1 - A importância da miscigenação na história nacional é o seu fundamento social: como sociedade nos formamos pelos casamentos entre nativos e portugueses, assim como pelas relações e abusos sexuais entre europeus e escravizados, de modo que somos o resultado deste processo de união violenta e desigual de diferentes grupos étnicos.
Muitos dos pensadores anteriores acreditavam que por conta disto não haveria discriminação racial no Brasil, pois todos seriam da mesma raça "mestiça". Freire discorda e acredita que há a valorização dos traços europeus em detrimento dos demais.
2 - A ideia dos "antagonismos em equilíbrio" é a de que havia disputas e diferenças irremediáveis entre os diferentes grupos sociais da sociedade brasileira, mas que estes antagonismos haviam atingido um ponto "estático", de modo que não mais contribuíam para uma mudança da situação social, como era de se esperar, mas atingiram um status quo.
3 - O mito da democracia racial é o de que não há discriminação racial no Brasil, pois somos todos da mesma raça. O mito é parcialmente verdadeiro (de fato somos todos etnicamente iguais) e parcialmente falso, pois, apesar desta igualdade fática, socialmente ainda há discriminação dos elementos culturais típicos dos nativos e dos negros, de modo que, por exemplo, a valsa é "alta cultura" e a capoeira nem sempre é bem vista.