Sociologia, perguntado por Paah1111, 1 ano atrás

explique como começou esse conflito entre homem e máquina no filme matrix

Soluções para a tarefa

Respondido por Isaacx256gmail
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Na família

A infecção começa na primeira infância. A instituição encarregada dessa primeira tarefa é a família (a família monogâmica nuclear, nos dias que correm). Sua tarefa é: inicializar o programa de controle (não se pode esquecer que aqui já se revela o que a Matrix é – Matrix é sobre controle).

Sim, começa bem cedo. Gerda Verden-Zöller (1978 e 1982) foi à raiz do processo pelo qual a criança é desumanizada pelos pais. Ela desvenda o comportamento controlador na relação materno-infantil, “quando a mãe, nas interações com seus filhos, está atenta ao seu futuro e as usa para educá-los, preparando-os precisamente para alcançar o dito futuro. Quando essa dinâmica intencional se estabelece na relação materno-infantil, a mãe deixa de ver seus filhos como indivíduos específicos, e restringe seus encontros com eles a essa condição. À proporção que tal restrição ocorre, um abraço deixa de ser um abraço como ação de plena aceitação do ser específico dos filhos que se abraça. Transforma-se numa pressão com certo direcionamento. Do mesmo modo, a mão que ajuda deixa de ser um apoio à identidade individual da criança, e transforma-se num guia externo que nega essa identidade” (8).

Vendo a criança ou o bebê como um futuro adulto, os pais não os aceitam como são no presente, mas como o que devem ser no futuro. Transformam assim os filhos em objetos de um processo educativo. Não brincam realmente com as crianças porque não encaram o que fazem com elas como algo que tenha valor em si (sem qualquer propósito outro do que a própria interação no presente), mas sempre, em alguma medida, como uma preparação para o futuro. Como consequência, as crianças não se encaram como interagentes válidos pelo que são e sim apenas na medida em que atendem às expectativas dos pais, ao cumprir o papel que os pais delas esperam. Ficam dependentes de aprovação (inicialmente dos pais e, depois, de qualquer um que cumpra a mesma função de controle sobre elas). E passam a colocar a aprovação “de cima” no lugar do reconhecimento horizontal de sua identidade numa comunidade. É assim que têm imensas dificuldades de desenvolver sua consciência social (ou, em um juízo mais rigoroso, de formar aquela qualidade da alma que chamamos de humanidade).

A mãe e o pai, na maior parte das vezes, não brincam gratuita e desinteressadamente com o filho. Querem educá-lo. Querem moldá-lo para que ele seja “alguém na vida”, querem que ele se torne uma cópia do que eles próprios foram (ou são) ou uma superação projetada do que não-são: em uma espécie de vingança compensatória, querem que seus filhos consigam ser (ou ter) o que eles não foram (ou não tiveram). Quando isso acontece, as crianças deixam de ser o que são, deixam de ser crianças e passam a ser projetos de adultos, adultos incompletos que precisam ser formatados para que se completem segundo os projetos paternos.

Eis a primeira lição embutida no programa: você não pode ser o que é em sua livre interação com os outros, mas tem que se transformar – tem que ser consertado, como se tivesse vindo com defeito de fábrica – sob as diretivas de outrem (dos que estão acima de você). Se não fizer isso, não será aceito como um sujeito válido. Mas há uma segunda lição.

A família privatiza capital social. A criança apreende a desconfiança quando ouve a mãe recomendar: “Não vai deixar seus amiguinhos quebrarem seus brinquedos; eles são seus, não deles!”. Desde tenra idade os filhos são ensinados a separar o que é “nosso” do que é “dos outros”. São ensinados a aceitar (ou a tolerar) o outro no seu espaço de vida, mas com restrições. São ensinados que, de certo modo, aqueles (os outros) são menos legítimos. E desde pequenos os filhos são incentivados a se destacar dos demais (dos filhos de outras famílias): são recompensados quando tiram notas mais altas, quando se saem bem (de preferência melhor do que seus colegas) em provas, quando vencem concursos, competições e torneios e são admoestados (ou, pelo menos, não elogiados) quando não ficam em primeiro lugar ou não se sobressaem de algum modo. As razões para essa pedagogia conducionista ou behaviorista de recompensas e punições nunca são expostas abertamente. Porque seus condutores não sabem mesmo o que estão fazendo. Ou porque não é necessário.
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