Eu estava diante de uma banca de jornais na Avenida, quando a mão do mendigo se estendeu. Dei-lhe uma nota tão suja e tão amassada quanto ele. Guardou-a no bolso, agradeceu com um seco obrigado e começou a ler as manchetes dos vespertinos. Depois me disse:
– Não acredito um pingo em jornalistas. São muito mentirosos. Mas tá certo: mentem para ganhar a vida. O importante é o homem ganhar a vida, o resto é besteira.
Calou-se e continuou a ler as notícias eleitorais:
– O Brasil ainda não teve um governo que prestasse. Nem rei, nem presidente. Tudo uma cambada só.
Reconheceu algumas qualidades nessa ou naquela figura (aliás, com invulgar pertinência para um mendigo), mas isso, a seu ver, não queria dizer nada:
– O problema é o fundo da coisa: o caso é que o homem não presta. Ora, se o homem não presta, todos os futuros presidentes serão ruínas. A natureza humana é que é de barro ordinário. Meu pai, por exemplo, foi um homem bastante bom. Mas não deu certo ser bom durante muito tempo: então ele virou ruim.
Suspeitando de que eu não estivesse convencido da sua teoria, passou a demonstrar para mim que também ele era um sujeito ordinário como os outros:
– O senhor não vê? Estou aqui pedindo esmola, quando poderia estar trabalhando. Eu não tenho defeito físico nenhum e até que não posso me queixar da saúde.
Tirei do bolso uma nota de cinquenta e lhe ofereci pela sua franqueza.
– Muito obrigado, moço, mas não vá pensar que eu vou tirar o senhor da minha teoria. Vai me desculpar, mas o senhor também no fundo é igualzinho aos outros. Aliás, quer saber de uma coisa? Houve um homem de fato bom. Chamava-se Jesus Cristo. Mas o senhor viu o que fizeram com ele?
Para gostar de ler. Vol. 2. São Paulo: Ática, 1978.
Entendendo a crônica:
01 – Sobre a crônica, assinale a afirmativa correta.
a) Intenciona levar o leitor a refletir sobre a relação homem e qualidade de vida.
b) Aborda um momento na vida do mendigo, leitor de jornais, que se posiciona frente às manchetes.
c) Contrasta características inerentes a presidentes com as inerentes a jornalistas.
d) A fala do mendigo, ao usar a si mesmo como exemplo de sujeito ruim, é um argumento incoerente.
e) O cronista, no final do texto, mantém a mesma percepção do mendigo tida no início.
02– Assinale a alternativa que apresenta a mesma ideia contida no seguinte trecho: “Meu pai, por exemplo, foi um homem bastante bom. Mas não deu certo ser bom durante muito tempo: então ele virou ruim.”
a) “Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.”
b) “O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.”
c) “Um galo sozinho não tece uma manhã;
Ele precisará sempre de outros galos.”
d) “Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena.”
e) “Amigos para sempre
É o que nós iremos ser
Na primavera
E em qualquer das estações”
03 – Leia a frase abaixo:
“Tirei do bolso uma nota de cinquenta e lhe ofereci pela sua franqueza.”
Com relação a essa atitude do narrador, pode-se afirmar que o mendigo:
a) passa a admirá-lo pelo gesto solidário.
b) começa a enxergá-lo como um ser menos nocivo à
c) sociedade.
d) não o vê melhor do que antes, apesar da doação.
e) se coloca inferior ao narrador ao receber tamanha quantia.
Soluções para a tarefa
Resposta:
Explicação;1 letra b
2 letra b
3 letra d
Pode confiar que está certa da melhor resposta
1. Sobre a crônica, está é a alternativa correta: Aborda um momento na vida do mendigo, leitor de jornais, que se posiciona frente às manchetes. Dessa maneira, a resposta correta é a alternativa B.
O mendigo se posiciona em relação à atualidade, que se manifesta pelas manchetes de jornais.
O cronista não tem a intenção mencionada no item A. Além disso, o texto não apresentou o contraste mencionado na alternativa C. Por fim, não há incoerência nem mudança de opinião conforme indicado, respectivamente, nos itens D e E.
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2) A alternativa que apresenta a mesma ideia do enunciado é esta: “O homem, que, nesta terra miserável,/mora, entre feras, sente inevitável/
necessidade de também ser fera.” Assim, a resposta correta é a alternativa B.
O mendigo diz que seu pai se cansou de ser um homem bom e se tornou alguém ruim. Da mesma maneira, a frase do item B indica que as circunstâncias podem fazer com que uma pessoa mude de atitude. Dessa maneira, quem mora entre as feras sentirá a necessidade de se tornar uma fera.
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3) Com relação a essa atitude do narrador, pode-se afirmar que o mendigo não o vê melhor do que antes, apesar da doação. Por esse motivo, a resposta correta é a alternativa D.
Percebemos isso, visto que o mendigo, ao agradecer o homem disse : "não vá pensar que eu vou tirar o senhor da minha teoria". Ele se refere à teoria de que todos os seres humanos não prestam.
Em outras palavras, o fato de o homem ter lhe dado mais esmola não foi suficiente para mudar a opinião do mendigo que continuou pensando que os homens não prestam.
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Bons estudos!