Despertei às nove e quarenta e dois, antes do relógio. Através da rede, não vi a
claridade avermelhada do fogo. A fogueira já era. Me preparei pra sair e reacende-la.
Enquanto abria o zíper da rede, observei pela malha do mosquiteiro a lua branca e
brilhante. Tudo é silêncio, magia e mistério. Foi com os olhos grudados no brilho da lua
que coloquei meio corpo para fora. [...] A dois metros de onde estou, a mansidão das
águas nas margens da ilhota foi trocada pelo brilho frio e vermelho de dezenas de pares
de olhos. Uma cordilheira de sombras negras recortadas no clarão da noite. São jacarés.
Essa imagem causa sensações inéditas e indescritíveis. Não sei dizer se o que sinto é
medo ou a grande emoção de sentir que o risco é a mais clara manifestação da força da
vida.
Jacarés... Imediatamente se acende em minha memória a imagem dos índios e
seu “hino” profético: “Jacaré vai comê caraíba... Jacaré vai comê caraíba...”. As palavras
dançam em minha cabeça em ritmo acelerado, acompanhando as batidas do meu
coração. Desde o primeiro momento, a prudência me fez acreditar nas palavras dos
índios; mas eu não esperava que isso acontecesse tão cedo.A tensão é forte. Por segundos fico completamente estático, apenas observando
nossas visitas, ou melhor, nossos anfitriões, pois ali no meio da Amazônia os hóspedes
somos nós. É preciso fazer alguma coisa, e rápido. Sem desviar o olhar daquele mundo
de olhos um só minuto, fui tateando a rede às minhas costas até alcançar a lanterna e o
revólver. Feito isso, passei a chamar Renato. Preocupado em não ser o centro das
atenções – se já não era –, minha voz mais parecia um sussurro. Diante da diferença de
meu companheiro, envolvido em sono profundo, inconscientemente ergui a voz.
Imediatamente houve uma leve movimentação na água, o que àquela altura tinha o efeito
de um terremoto. Controlando minha ansiedade, disse:
Abra sua rede devagar e olhe para fora...
Eu não podia vê-lo, mas a tensão me fez acompanhar seus movimentos
pelos ruídos. Quando o zíper da rede cessou seu trajeto, fez-se um tempo de silêncio
até que ouvi sua voz assustada:
-- Meu chapa!...
Pelo timbre, imaginava sua expressão de espanto. Renato também buscou sua
arma e, lentamente, saímos juntos da rede. Nos encontramos de costas e chegamos a
um consenso. O primeiro passo seria afugentar os animais. Depois, acender o fogo. Atirei
para o alto. O estrondo seco foi seguido por incontáveis mergulhos e rabadas na água,
por toda a nossa volta. Temporariamente estávamos mais uma vez a sós. [...]
A pouca lenha nos obriga a administrar muito bem cada graveto. O silêncio é brutal
e qualquer ruído leva a um estado de alerta. Um leve som vem do casco de nossos
barcos. A imaginação me faz crer que são filhotinhos de jacaré. O sono tenta me vencer,
mas a tensão é muito mais forte. Ilumino com a lanterna os barrancos próximos.
Centenas de olhos me miram atentos. Talvez estejam apenas esperando eu dormir para
atacar. Foram horas intermináveis de tensão. Quando o último graveto foi absorvido
pelas chamas, as primeiras luzes começavam a raiar. Traziam com elas a mansidão e a
segurança da manhã, o que nos garantiu algumas horas de sono tranquilo.
Começamos o segundo dia com a lentidão de uma noite maldormida. Depois do
café da manhã, arrumamos nossas coisas nos caiaques e nos preparamos para sair.
Consultando os mapas, descobrimos que a pequena ilha em que estamos tem o nomede ilha do Natal, o que não tornava nossa manhã mais festiva. Ironicamente, Renato
comentou:
-- Ilha do Natal!... Por pouco não viramos ceia...
Barcos na água, iniciamos mais uma jornada.
a) Em sua opinião, que outra expressão comum na comunicação oral poderia ter
o mesmo sentido da expressão “Meu chapa” no texto?
Soluções para a tarefa
Respondido por
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Resposta:
sai cachorro
Explicação:
faz o L
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