Português, perguntado por rochabruna883, 10 meses atrás

De repente Dona Carolina deixou cair o garfo e soltou um grunhido.
Todos se precipitaram para ela, abandonando seus lugares à mesa: a filha, o
genro, os netos: - Que foi, mamãe? - Dona Carolina, a senhora está sentindo
alguma coisa? - Fala conosco, vovó. A velha, porém, só fazia arranhar a
garganta com sons estrangulados, a boca aberta, os olhos revirados para cima.
- Uma espinha - deixou escapar afinal, com esforço: - Estou com uma espinha
de peixe atravessada aqui. E apontava o gogó com o dedinho seco. - Come
miolo de pão. - Respira fundo, vovó. - Com licença - e o marido de uma das
netas, que era médico recém-formado, abriu caminho:- Deixa ver. Abre bem a
boca, Dona Carolina. Dona Carolina reclinou a cabeça para trás, abriu bem a
boca, e a dentadura superior se despregou. Constrangido, o moço retirou-a
com dedos delicados, deixou-a sorrindo pela toalha da mesa: - Assim. Agora
vira aqui para a luz. Não estou vendo nada...
A espinha já saiu, não tem nada aí. A garganta ficou um pouco irritada, é
por isso...Bebe um pouco d'água, Dona Carolina, que tudo já passou. Todos
respiraram aliviados, voltando aos seus lugares. Dona Carolina, porém, fuzilou
o rapaz com um olhar que parecia dizer:”Passou uma ova!” e continuava a
gemer. Como ninguém se dispusesse mais a socorrê-la, acabou se retirando
para o quarto, depois de amaldiçoar toda a família. Uma das netas, solícita, foi
levar-lhe a dentadura, esquecida sobre a mesa. - Estou com uma espinha na
garganta - queixava-se ela, a voz cada vez mais fraca. - Já saiu, mamãe. É
assim mesmo, a gente fica com a impressão que ainda tem, deve ter ferido a
garganta... - Impressão nada! Ela está aqui dentro, me sufocando...Chame um
médico para mim, minha filha.
Veio de novo o rapaz que era médico, mas a velha o rejeitou com um
gesto. -Esse não! Eu quero um médico de verdade! A família, de novo reunida,
se alvoroçava, e Dona Carolina, arquejante, dizendo que morria sufocada. Uma
das filhas corria a buscar um copo d'água, outra abanava a velha com um
jornal. O dono da casa foi bater à porta do vizinho de apartamento, Dr.
Fontoura, que, pelo nome, devia ser médico: - O senhor desculpe incomodar,
mas minha sogra cismou, uma espinha de peixe, não tem mais nada, cismou
que tem, porque tem... Dr. Fontoura, que na realidade era dentista, acorreu
com uns ferrinhos, uma pinça. - Abre bem a boca, minha senhora - ordenou,
gravemente, e contendo a língua da velha com o cabo de uma colher, meteu o
nariz pela boca adentro: - Assim. Hum-hum...Não vejo nada. Alguém tem uma
lanterna elétrica? Um dos rapazes trouxe a lanterna elétrica, e o dentista
iluminou a goela de sua nova cliente, sob a expectativa geral. - É isso
mesmo...Está um pouquinho irritada ali, perto da epiglote. Não tem mais nada,
a espinha já saiu.
O que ela está precisando, na minha opinião, é de uma dentadura nova.
A velha engasgou e, em represália, por pouco não lhe mordeu a mão. Todos
respiravam, aliviados. - Eu não dizia? - exclamava o dono da casa, conduzindo o vizinho até a porta. E protestava agradecimentos: - A velha está nervosa à
toa, o senhor desculpe o incômodo... Dona Carolina pôs-se a amaldiçoar toda a
sua descendência, a voz cada vez mais rouca: - Cambada de imprestáveis! Eu
aqui morrendo engasgada e eles a dizerem que não tem mais nada!
Resolveram fazê-la tomar um calmante e dar o caso por encerrado. Mas o caso
não se encerrou. A velha não pregou olho durante a noite e passou todo o dia
seguinte na cama, gemendo com um fio de voz: - Ai, ai, ai, meu Santo Deus!
Estou morrendo e ninguém liga! A filha torcia as mãos, exasperada: - Não quis
almoçar, agora não quer jantar. Assim acaba morrendo mesmo. - Minha sogra
é uma histérica - explicava o dono da casa a um velho amigo que viera visitá-lo
ao terceiro dia. - Está assim desde quarta-feira, já nem fala mais com
ninguém... O velho amigo resolveu espiá-la de perto.
Assim que o viu, Dona Carolina agarrou-lhe a mão, soprando-lhe no
rosto uma voz roufenha, quase inaudível, mais para lá do que para cá: - Pelo
amor de Deus, me salve! Você é o único que ainda acredita em mim.
Impressionado, o velho amigo da casa resolveu levá-la consigo até o pronto-
socorro. - Quanto mais não seja, terá efeito psicológico - explicou aos demais.
Embrulharam a velha num sobretudo, e lá se foi ela, de carro, para o pronto-
socorro. Foi só chegar e a esconderam numa mesa, anestesiaram-na, e o
médico de plantão, com uma pinça, retirou de sua garganta - não uma espinha,
mas um osso de peixe, uma imensa vértebra cheia de espinhas para todo lado,
como um ouriço. - Estava morrendo sufocada - advertiu. - Não passaria desta
noite.
Hoje, Dona Carolina, quando quer fazer o resto da família ouvir sua
opinião sobre qualquer assunto, exibe antes sua famosa vértebra de peixe, que
carrega consigo, como um troféu.
SABINO, Fernando. Cara ou Coroa?- antologia. Editora Ática. São Paulo.
2001.Adaptado


me ajudem por favor é pra amanhã !

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Soluções para a tarefa

Respondido por YGGA
2

Resposta:

que isso amiga?de q matéria?


rochabruna883: português
YGGA: uh
Respondido por polianafferreira
0

01. O conflito da crônica é fato de Dona Carolina ter uma espinha de peixe atravessada em sua garganta, enquanto comia,  fato esse que pode acontecer no cotidiano de qualquer pessoa.

Conflito

Momento da narrativa em que acontece uma oposição entre os elementos da narrativa, que tem como consequência uma tensão que faz com que os fatos se organizem.

02. Exemplo de palavra dita por Dona Carolina que está na linguagem informal: gogó. Trata-se da proeminência laríngea.

Linguagem informal

Trata-se daquela utilizada no cotidiano, caracterizada por um não-obedecimento à gramática.

03. Cite:

a) Dona Carolina era sogra do dono da casa em que ela estava.

b) Frase que comprova a resposta acima:

"- O senhor desculpe incomodar, mas minha sogra cismou, uma espinha de peixe, não tem mais nada, cismou que tem, porque tem..."

4. O adjetivo "histérica", empregado pelo dono da casa, foi usado para indicar que a Dona Carolina estava se exaltando e tendo alterações transitórias da consciência. Porém, na realidade, ela estava fazendo queixas prudentes.

5. Outro título possível para o texto seria: "Ninguém acredita em Dona Carolina".

Linguagem formal e informal: https://brainly.com.br/tarefa/51160142

Dicas de interpretação: https://brainly.com.br/tarefa/20529241

#SPJ2

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