criar um soneto sobre algum conto do livro ÂNSIA ETERNA!!
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Resposta:
Ânsia eterna – Conto de Júlia Lopes de Almeida
E o teu livro? Quando aparece o teu livro? Perguntou Rogério Dias ao amigo, refestelando-se numa almofadinha de marroquim do escritório.
– Parece-me que nunca…
– Por quê?!
– Por isto: o que eu quero não é escrever meramente; não penso em deliciar o leitor escorrendo-lhe na alma o mel do sentimento, nem em dar-lhe comoções de espanto e de imprevisto. Pouco me importo de florir a frase, fazê-la cantante ou rude, recortá-la a buril ou golpeá-la a machado; o que eu quero é achar um engaste novo onde encrave as minhas ideias, seguras e claras como diamantes; o que eu quero é criar todo o meu livro, pensamento e forma, fazê-lo fora desta arte de escrever já tão banalizada, onde me embaraço com a raiva de não saber fazer nada de melhor. Estamos sós; sabes que sou contigo absolutamente sincero; dir-te-ei tudo.
Quero escrever um livro novo, arrancado do meu sangue e do meu sonho, vivo, palpitante, com todos os retalhos de céu e de inferno que sinto dentro de mim; livro rebelde, sem adulações, digno de um homem. Se eu tivesse gênio, não me faltaria o resto, porque não escrevo por amor da turba ingrata, nem preciso da pena para ganhar a vida; sou rico e só escrevo por uma obsessão que me verga, tal como o furacão verga o caniço.
Não te rias; a ordem vem do incognoscível, não a discuto, aceito-a como uma lei de Deus. E não cuides que a aceitei sempre com resignação e sem relutância; tenho rasgado muitas páginas, incendiado muitas palavras, assoprado muita cinza aos quatro ventos!
Ao princípio, mal desfazia uma página achava-me a fazer outra. Este martírio ainda dura; todo o meu protesto de acabar fica onde começa o desejo de criar mais e melhor. Posto o ponto final em um livro, abre-se-me logo a vontade de escrever o primeiro período de outro livro. E é sempre assim; afinal, por quê, e para quê? Se os velhos como os novos trabalhos não me trazem a consciência, nem glória, nem tranquilidade? Para quê? Não sei… Por quê? Porque é preciso obedecer, porque a natureza me fez tal o caniço…
E a propósito dir-te-ei que a natureza foi cruel para mim, visto que o meu ser moral não se confunde com o meu ser intelectual. Não nasci para escritor, sou orgulhoso, a popularidade ofende-me; não sei que melindre é este, que antes cresce do que diminui com o correr do tempo, fazendo-me cada vez mais sensível e descontente de mim mesmo. De que vale tanto esforço?
És inteligente, vê se entendes isto: embora eu não me preocupe com o leitor, há sempre diante de mim, quando escrevo, um desconhecido, sombra no vácuo, indecisa, impalpável, mas que basta para enregelar-me os dedos quando a frase quer cair despida e franca na brancura do papel. Ah! O preconceito! O preconceito!
E é uma criatura atada a ele, e assim, orgulhosa e tímida, que pensa em fazer um livro sadio, calmo, de regeneração e de esperança, como início de outra vida mais perfeita. Mas como hei de eu, dependente e fraco, fazer tal livro independente e forte? Eu, que pratico o mal, não posso sem ironia ensinar o bem. A minha boca, que mente, o meu pensamento, que atraiçoa, não são dignos de fazer uma apoteose à verdade absoluta, como a única fonte da felicidade humana.
O livro a que aludiste é o meu martírio: penso nele à proporção que vou fazendo os outros, e sinto-o sempre à mesma distância, inatingível e sereno. O meu livro! Mas qual será o escritor, que não pense no seu livro definitivo, único? Diz!
– Que hei de dizer? Que, talvez, mudando de hábitos alcançasses a tranquilidade necessária para um bom trabalho. Casa-te.
– Não. Eu traria para casa uma inimiga. Por mais doce e modesta que fosse, ela teria a pouco e pouco ciúmes disso tudo… As leituras são absorventes, e as mulheres não admitem preterições. Tem razão, talvez.
De mais a mais eu tenho medo das mulheres…Vou agora contar–te, com muita oportunidade, o meu último episódio amoroso, que bem pode servir de síntese a tudo que te disse.
– A respeito do livro?!
– Sim… podes pôr dentro desse sonho este outro sonho, certo de que a solução será a mesma. Deixa-me mandar vir café. Tu jantas hoje comigo.
– Sim, jantarei contigo.
– Minha mãe vai ficar contentíssima; não imaginas, está linda, com os cabelos brancos; alta, sempre muito direita… Chamo-lhe a minha torre da fé, iluminada!