Confusão com São Pedro
Fernando Sabino
Você vai neste avião, eu vou no próximo – decidiu de súbito, no último instante, quando o alto falante já invocava os passageiros: queiram apresentar suas despedidas e boa viagem.
Ele deu um suspiro desalentado. Já fora um custo convencer a mulher a viajarem de avião. Ela dizia que tinha medo, por que não vamos de trem? E passara a noite toda naquela conversa, olha, meu bem, tenho um pressentimento ruim.
Quando já estavam quase embarcando, vinha com novidade.
- Que bobagem é essa?
- Eu vou no outro –insistiu ela, aflita: -Tem outro avião daqui a meia hora.
- Mas por que isso de repente?
Ela o olhava nos olhos como se despedisse dele para sempre:
- Não podemos correr tanto risco juntos, meu bem, seja razoável. Temos nossos filhos, imagine se acontece alguma coisa.
- Não vai acontecer nada, mulher.
- Eu sei que não tem perigo, que é o transporte mais seguro do mundo, e as estatísticas, e essa coisa toda, você já me explicou. Mas pense um pouco nos nossos filhos, pelo amor de Deus! Eu indo num e você noutro, sempre é uma chance de pelo menos um de nós dois escapar.
- Olha aí, já estão chamando de novo. Vamos embora, mulher.
Ela fincara pé, irredutível. Sem mais tempo para argumentar, ele acabou cedendo:
- Está bem, seja como você quiser! Mas então vai nesse, eu vou no outro. Se eu deixar você aqui, você acaba não indo.
Despediu-se dela, aborrecido, e foi tratar da transferência de sua passagem.
A mulher entrou no avião como num túmulo, o coração aos pulos. A porta se fechou, desligando-a para sempre do mundo. A seu lado, viajava um padre, alheio a tudo, mergulhado no breviário.
De súbito o avião, já em pleno voo, começou a jogar. Eu não disse? Eu não disse? Entraram numa nuvem escura e nunca mais que saíam dela.
Em pânico, chamou o comissário: não é nada, minha senhora, uma pequena tempestade, estamos fazendo voo cego.
Voo cego! Sentindo-se perdida, voltou-se para o padre:
- Estou com tanto medo, seu padre.
O padre a olhou, desconfiado:
- Reza, que é melhor.
E voltou ao seu breviário. Rezar? Não, ela não sabia rezar.
Lembrou-se de São Pedro, que era quem devia manobrar chuvas e tempestades – juntou as mãos e pediu-lhe auxílio:
- São Pedro, piedade de mim. Tenho meus filhos para criar. Fui criada sem mãe, o senhor não imagina a falta que uma mãe faz. Todos na minha família ficaram assim feito eu, só porque não tiveram mãe. Que será dos meus filhos sem mãe, São Pedro, mãe faz muito mais falta que pai, por favor, me protege, se for preciso, transfere essa tempestade para o avião dele, mas me salva desta que noutra eu nunca mais hei de me meter.
A falta de mãe não lhe abalara o prestígio junto a São Pedro - tanto assim que em pouco o avião deixava para trás a tempestade e saía para um céu azul, e logo descia no aeroporto sem mais novidades. Estava salva!
Comprou uma revista, sentou-se e pôs-se a esperar o avião do marido. Esperou meia hora. Como ele nunca mais chegasse, correu já aflita, a informar-se no balcão. Soube que não havia nada de especial: as más condições do tempo às vezes ocasionavam atraso.
- Más condições do tempo?
Não tinha dúvida, era a tempestade que mandara para ele. Roída de remorsos, juntou as mãos ali mesmo, em frente ao funcionário assombrado:
- São Pedro, essa não! Não faça isso comigo. Era mentira, o senhor não vai me levar a sério. O pai faz mais falta que a mãe, quem é que foi meter uma bobagem dessa na minha cabeça? Ele trabalha para sustentar a família, eu não faço nada que preste. E logo ele, tão bom que ele é, tão carinhoso, por favor, São Pedro, não faça isso com ele, joga essa tempestade para cima de outro que não tenha filhos, para cima dele não!
Em pouco São Pedro voltava a atendê-la, fazendo o marido desembarcar no aeroporto, são e salvo:
- Que cara é essa? Você está parecendo um fantasma! Aconteceu alguma coisa?
Ela se abraçou a ele, ansiosa:
- Você está bem? Você me perdoa?
- Eh, que novidade você vai inventar agora? Perdoar o quê, mulher?
- Tudo por minha culpa choramingou ela. – Mas graças a Deus você está salvo. Fiz uma confusão enorme com São Pedro, você nem imagina. Da próxima vez, quer saber de uma coisa? Vou com você, morreremos juntos, nossos filhos que se danem.
Ele a olhou, francamente apreensivo. ―Acho que essa minha mulher está ficando maluca‖, pensou.
1)Nesse texto, o que gera o conflito é:
a) a mulher temer que o avião caísse.
b) a viagem de avião do marido e a esposa.
c) o marido insistir para que fossem juntos.
d) o avião começar a balançar em pleno voo.
2) A finalidade desse texto é:
a) relatar.
b) refletir.
c) instruir.
d) entreter
Soluções para a tarefa
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a resposta da questao 1)letra a ..
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Resposta:
Explicação:
1: a).
2: d).
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