com era pensada a relação da filosofia com a arte na idade media?
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Resposta:
A Cabeça VI (1949), de Francis Bacon (1909-1992), talvez seja a mais notável e dramática representação artística da desintegração do corpo no século XX, da fragilidade do ser. Tensão, angústia, morbidez, terror, sofrimento, dor: o corpo não sairia ileso das dilacerantes especulações filosóficas de nosso tempo. No quadro, a cabeça, tradicional, locus da razão, se desfaz, enquanto o torturado papa se decompõe. Os contrastes das cores escolhidas pelo artista acentuam a tensão dramática da cena. O mais significativo de tudo é que o quadro pretende ser um estudo a partir de um quadro de Velázquez (1599-1660) do Papa Inocêncio X (1574-1655). Bacon pretendia ser o Velázquez do século XX.
Mas, por que principiar o tema sobre o corpo na Idade Média com um quadro do pintor (e ateu convicto) Francis Bacon (1909-1992), amante do grotesco, do angustiante e do desespero eufórico? Simples. Trata-se de uma antítese. Tradição versus Revolução. Idade Média versus Modernismo (mas também Pós-Modernismo). Com seu horror alçado à categoria de arte como choque visceral, Bacon é o mais digno representante da declaração trágica do corpo, do ser, no século XX.
Em diametral oposição, o mundo da tradição filosófica (e artística) medieval alçou o corpo à condição de centro da Criação divina. Embora tenham recebido da Antiguidade, como herança filosófica grega (platônica), a negação do corpo – o corpo como cárcere, prisão, tolhimento da alma – os medievais contrapuseram a essa tradição o corpo como entrecruzamento das linhas de força do Universo, microcosmo do mundo.
O exemplo medieval mais famoso do homem-microcosmo é a imagem que a monja Hildegarda de Bingen (1098-1179) teve, em uma de suas visões. Na obra Liber divinorum operum (O Livro das obras divinas, c. 1163-1173), a estrutura do Universo tem uma direta correspondência com a fisiologia humana. Nessa perspectiva, os atos humanos repercutem e cooperam (ou não) na ordem do cosmos.
O Livro das Obras Divinas é dividido em três partes. A primeira ("O Mundo da Humanidade") dedica uma seção ao homem – A natureza humana. O homem é o centro da criação divina. Como na iluminura correspondente àquela visão (imagem 2), o homem é jovem, delgado, íntegro. Suas pernas são robustas. Com os braços abertos para o Universo, ele recebe a influência dos quatro ventos (Levante, Austral, Ocidente e Norte) e dos sete planetas então considerados (Lua, Mercúrio, Sol, Marte, Júpiter e Saturno). Seu corpo expressa a intercessão do próprio Cosmo: a cabeça (esférica) representa o poder da Humanidade; os olhos, a porta de acesso ao conhecimento; os ouvidos permitem o desfrute dos sons da Glória dos mistérios; o nariz aprecia o agradável perfume da ordem das obras; e a boca é o instrumento da palavra divina criadora. Na passagem da obra que aborda aquela visão do homem, há uma explicação de sua posição central no Universo:
Por fim, e no centro da roda, surge a imagem de um homem, cuja cabeça alcança a parte superior e os pés a parte inferior do círculo de ar denso, branco e luminoso. À direita, as pontas dos dedos de sua mão direita; à esquerda, as pontas dos dedos de sua mão esquerda estão estiradas e alcançam o mesmo círculo, tocando dois pontos diferentes da circunferência.
O motivo pelo qual a imagem estendeu os braços é porque o homem está no centro na estrutura do mundo, já que é mais poderoso que todas as outras criaturas que se encontram na própria estrutura. Embora seja de pequena estatura, é grande pela energia de sua alma, e como tem a capacidade de mover a cabeça para cima e os pés para baixo, alcança tanto os elementos superiores quando os inferiores, e assim pode movê-los. (HILDEGARDA DE BINGEN, Segunda visão, XV).