CARA OU COROA
Chegou em casa de madrugada e, para não acordar a mulher, resolveu se despir no banheiro. No que tirou a calça, uma dessas novas moedas, que havia recolhido de troco não sabia onde, saltou do bolsinho junto ao cinto, descreveu uma parábola no ar, bateu na beirada da pia, outra parábola, e foi cair direto dentro do ralo.
No momento ele não deu importância, mal percebeu o que acontecera Acabou de se despir calmamente e depois abriu a torneira, lavou o rosto, escovou os dentes, mirou-se espelho fazendo caretas, fechou a tomeira. Só então viu que a torneira na pia, com laivos de espuma de sabão e de pasta de dente, simplesmente não descia.
Com a ponta do dedo, verificou que a moeda era exatamente do mesmo calibre do ralo da pia, vedando por completo a passagem da água cano abaixo.
Em vão tentou retirá-la com a unha do indicador: não havia a menor separação entre ela e a parede do cano. E de tanto mexer com a mão ali dentro, não só acabou machucando a unha, como fez com que a água entornasse sobre as bordas da pia, molhando o chão do banheiro.
Desistiu logo: tinha mais é que dormir na manhã seguinte daria jeito
naquilo.
Na manhã seguinte foi acordado com a mulher, quando estava no melhor do sono:
- Vem ver só o que você andou aprontando esta noite.
Estremunhando, tomou o caminho do banheiro, que a mulher ihe apontava. Entrou pela água adentro até os tornozelos: o chão estava completamente alagado. Deixaria a torneira mal fechada e a água transbordava da pia por todos os lados, como uma cachoeira.
- Não fui eu - protestou ele.
- Então me diga quem foi – a mulher desafiou-o, mãos na cintura. e ele aproveitou a pia cheia para molhar o rosto,
- Foi a moeda espantando o sono.
- Moeda? Que moeda?
Uma moeda nova. Pra você ver como o nosso dinheiro anda
desvalorizado
Meteu a mão na água e, num gesto delicado de ginecologista, apalpou a
moeda com o dedo.
- Nada a fazer. Não sai de jeito nenhum.
- Deixa comigo - e a mulher o afastou com o braço, ar eficiente. Tirou da cabeça um grampo, abriu-o e ficou a esgravatar com ele as entranhas da pia. Acabou desistindo
- Que ideia a sua, jogar essa moeda al dentro
- Joguei por querer, é o que você quer dizer.
- Não sai de jeito nenhum.
- Foi o que eu disse. Só virando a pia de cabeça para baixo
Podíamos usar o ima.
ele se surpreendeu com a inesperada manifestação de inventiva da mulher. - E quem é que disse que imă funciona debaixo d'água? Além do mais, o metal dessas novas moedas é tão ordinário, que imā nenhum deve exercer atração sobre elas,
- Um ímā?
- Não custa experimentar.
- Não temos imā aqui em casa. Só comprando um. E confesso que não tenho a mais longinqua ideia de onde é que se compra imā neste mundo de Deus. Ainda mais um tão pequeno que caiba no ralo da pia.
Quem sabe um pouco de cola na ponta de um lápis .
- Cola debaixo d'água? Só você mesmo, mulher.
A gente tira a água.
- Tirar como se a pia está entupida? O jeito é chamar o bombeiro.
- Também, que diabo você tinha de voltar tão bêbado para casa, a ponto
de jogar moeda dentro da pia?
Prudentemente, ele se afundou, indo tomar seu café sem escovar os dentes. A mulher o seguiu. Em pouco o filho, de sete anos, se acomodava também à mesa, todo lampeiro, penteado e arrumado para ir à escola.
- Você lavou o rosto? Escovou os dentes? - espantou-se a mãe. - Como é que se arranjou com a pia entupida daquele jeito?
- Eu desentupi.
- Como? - Perguntaram os dois a um tempo,
- Com um pedaço de chiclete no cabo da escova.
E o menino atirou a moeda para o ar, aparando-a com as duas mãos:
- Cara ou coroa?
ATIVIDADES:
1) Leia o texto com atenção.
2) Indique os elementos da narrativa presentes na crônica "Cara ou coroa" de Fernando Sabino.
• Narrador
• Foco narrativo
• Enredo
Apresentação
Complicação
Climax
Desfecho
Personagens
• Tempo
• Espaço
Soluções para a tarefa
Respondido por
2
Resposta:
Narrador, Enredo, Clímax, Tempo, Desfecho e espaço
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