Além da poesia religiosa, Gregório de Matos ficou conhecido pela poesia lírico-amorosa e pela poesia satírica. Leia o próximo poema e responda: A dualidade matéria/espírito aparece já no nome da mulher. Explique
Soluções para a tarefa
Poemas de Gregório de Matos Guerra
A obra de Gregório de Matos permaneceu inédita até o início do século XX, quando, entre 1923 e 1933, a Academia Brasileira de Letras (ABL) organizou e publicou seis volumes com seus poemas:
I. Poesia sacra
II. Poesia lírica
III. Poesia graciosa
IV e V. Poesia satírica
VI. Últimas
Poema satírico
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhada
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Esse soneto, produzido no século XVII, contexto em que Salvador era a capital do Brasil Colônia, expressa a crítica de Gregório de Matos à exploração colonial que recaía sobre a Bahia a serviço da lógica mercante, comandada por comerciantes e navegadores vindos de várias localidades do mundo, sempre disposta a extrair riquezas para a metrópole. Esse tom crítico ao sistema colonial foi uma marca de sua vertente satírica.
Veja também: Trovadorismo – movimento literário que também utilizou a sátira como denúncia social
Poema religioso
A Jesus Cristo Nosso Senhor
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido;
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Nesse soneto, como o próprio título sugere, a temática religiosa é explícita. O eu lírico, tendo o Cristo como interlocutor, expõe a consciência dos pecados que cometeu, mas sempre tendo a certeza de que, à medida que peca, é perdoado pelo poder divino. Fazendo referências ao texto bíblico, o eu lírico vê-se, portanto, como uma ovelha desgarrada pelo pecado, mas a qual é resgatada pela bondade de Deus. Nota-se, assim, a presença do paradoxo barroco, segundo o qual o homem vive em conflito entre a busca pela santidade e elevação espiritual e, ao mesmo tempo, pela vivência da matéria e dos prazeres advindos dela.
Poema lírico
Adeus, vão pensamento, a Deus cuidado,
Que eu te mando de casa despedido,
Porque sendo de uns olhos bem nascido,
Foste com desapego mal tratado.
Nasceste de um acaso não pensado,
E criou-te um olhar pouco advertido:
Cresceu-te o esperar de um entendido,
E às mãos morreste de um desesperado.
Ícaro foste, que atrevidamente
Te remontaste à esfera da Luz pura,
De onde te arrojou teu voo ardente.
Fiar no sol é irracional loucura;
Porque nesse brandão dos céus luzente
Falta a razão, se sobra a formosura.
Nesse soneto, o eu lírico tem como interlocutora sua amada, retratada de forma idealizada, como atestam algumas imagens construídas no poema e como se nota na terceira estrofe, em que ela é comparada à luz originária de todas as luzes, em uma clara alusão ao mito grego de Ícaro, que teria desafiados os deuses e roubado o fogo que deu origem aos demais. Essa alusão mítica também tem o propósito de equiparar o eu lírico a Ícaro, que, após roubar o fogo, tem suas asas de cera derretidas. Tal qual esse personagem mítico, a voz poética do soneto sente-se em queda diante do amor não concretizado.