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O PENTEADO
Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei
a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito:
não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe
que se sentasse.
- Senta aqui, é melhor.
Sentou-se. “Vamos ver o grande cabeleireiro”, disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito
cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim
depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato
aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por descaso, outras de
propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas
de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse
intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora1
, porque não conhecia ainda
essa divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos
dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto
vos parece enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos
adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa… Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há pouco, falando
dos seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis2
, risquei Tétis, risquemos ninfa; digamos somente uma
criatura amada, palavra que envolve todas as potências cristãs e pagãs. Enfim, acabei as duas tranças. Onde
estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as
pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:
- Pronto!
- Estará bom?
- Veja no espelho.
Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para
mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da
cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha na boca
do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que
estava feia; mas nem esta razão a moveu.
- Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu
desci os meus, e…Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem,
sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam, vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a
dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me
descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas… Não mofes dos meus quinze
anos, leitor precoce. Com dezessete Des Grieux3 não pensava ainda na diferença dos sexos.
(Machado de Assis. DOM CASMURRO. Capítulo 33, Editora Martim Claret, São Paulo, 2004)
QUESTÕES
1. O beijo despertou no narrador um
sentimento de:
a. ( ) orgulho
b. ( ) vaidade
c. ( ) medo
d. ( ) de orgulho e vaidade
2. A sensualidade dos personagens está:
a. ( ) presente
b. ( ) exagerada
c. ( ) presente e contida
d. ( ) presente e exagerada
3. A cena se passa:
a. ( ) numa sala
b. ( ) num quintal
c. ( ) numa praça
d. ( ) num campo
4. A descrição da cena é:
a. ( ) pobre
b. ( ) rica
c. ( ) minuciosa
d. ( ) rica e minuciosa
5. As personagens são:
a. ( ) típicas
b. ( ) individuais
c. ( ) irreais
d. ( ) ideais
Soluções para a tarefa
Respondido por
1
Resposta:
1: a
2: c
3:a
4:d
5:b
Explicação:
é sobre isso
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