Afastou o mosquiteiro, levantou-se da cama e foi abrir as portadas da janela. Lá fora o céu estava ainda carregado de estrelas e apenas um breve clarão subia por detrás da montanha, de onde a manhã ia afastando a noite. [...] A noite afastava-se rapidamente mas, em lugar da claridade do dia, havia uma neblina branca, como 5 – algodão líquido, que flutuava ao nível do chão. Através dela, conseguia distinguir ao fundo a silhueta das casas da sanzala, onde um crescente vaivém de figuras negras, esbatidas no nevoeiro, ia engrossando aos poucos. De uma das casas elevou-se, de repente e sem razão, um cântico arrastado e triste, uma voz cantando num dialecto de algures em Angola uma cantiga que arrepiava os sentidos, prontamente respondida 10 – em coro por mais umas quantas vozes.O cântico foi engrossando e tomando conta da sanzala, atravessou o terreiro e chegou à casa grande, à janela de onde Luís Bernardo espreitava a manhã emergente. Era um cântico de tristeza pelo dia que nascia embrulhado em nevoeiro, pelo sol que tinham deixado para trás, pelo mar sem regresso que adivinhavam dali sem nunca o verem, pela noite que acabara, sepultando nela 15 – todos os sonhos. Mas não, não era um cântico: antes um lamento cantado. Um lamento por um mundo perdido e sobrevivendo apenas na memória de outros dias felizes. Choravam pela sua outra África, das planícies a perder de vista, do capim seco ao sol, dos animais correndo livremente, do mato onde o leão espreita a zebra e o leopardo persegue silenciosamente o antílope, dos rios atravessados em frágeis canoas por 20 – entre jacarés e hipopótamos adormecidos, das noites na savana, ouvindo os gritos da selva e aquecendo o medo num fogo aceso entre pedras. Uma África para o horizonte sem fim, e não aquela prisão de cinqüenta por trinta quilómetros, aquele sufoco espesso e sempre molhado, aqueles estreitos caminhos entre a selva, com o seu eterno cheiro enjoativo a cacau, aquele sino de todos os dias, tocando 25 – invariavelmente às quatro e meia da manhã, às seis da tarde e às nove da noite, aprisionando o seu tempo, sempre inexoravelmente igual e previsível, como se Deus os tivesse marcado à nascença com um horário que nada, nem a alegria nem a tragédia, nem a festa nem a dor, poderia mudar. E ali, naquela janela sobre o terreiro da roça Porto Alegre, que o esforço titânico do barão de Água Izé fundara em local 30 – onde nenhum homem escolheria viver, ocorreu a Luís Bernardo a mais inesperada das descobertas. A de que já ouvira aquele cântico. Ouvira-o noutra língua, mas exactamente o mesmo: no L’Opéra de Paris, quatro anos antes, quando assistira ao Nabucco, de Verdi. Era o «Va, pensiero», o cântico dos escravos hebreus. TAVARES, M. S. Equador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 178-179. A leitura e a análise desse fragmento permitem afirmar: (01) O fragmento transcrito estabelece uma relação de contraste entre dois espaços — um africano, outro europeu — onde as diferenças culturais são evidentes. (02) O cântico dos negros compara o que a terra natal tem com o que a terra alheia não tem, exaltando aquilo que está longe do desterro. (04) A pátria distante é evocada com um colorido que provoca saudades e melancolia nos negros, em São Tomé. (08) O trecho “Um lamento por um mundo perdido e sobrevivendo apenas na memória de outros dias felizes.” (l. 15-16) apresenta uma relação de causalidade estabelecida entre a saudade da pátria e o cântico dos negros. (16) Luís Bernardo, ao se lembrar do “Nabucco, de Verdi” (l. 33), estabelece uma relação de similaridade com o cântico ouvido na roça Porto Alegre. (32) A mobilidade social do homem negro angolano é reivindicada por Luís Bernardo e posta em prática nas colônias de São Tomé e Príncipe.
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1
Olá.
De acordo com o enunciado, compreende-se que as assertivas corretas são 02 + 04 + 08 + 16= 30.
Como pode ser visto, a assertiva 01 é incorreta, podemos explicar da seguinte forma:
Uma vez que no trecho, conseguimos identificar que existe sim uma semelhança entre as culturas africana e a europeia, e não como é apresentado na questão, em que se trata que existe um contraste.
Essa semelhança pode ser compreendida quando no texto, é relatado que o cântico que o personagem ouviu, o L’Opéra de Paris, era idêntico ao que já havia escutado de Nabucco, na roça de Porto Alegre, e mesmo que fosse em outra língua, era igual.
Assim como a assertiva 32 também é incorreta, já que o homem negro angolano não questiona a mobilidade social, e ela é realizada nas Roças de Porto Alegre.
Espero ter ajudado!
De acordo com o enunciado, compreende-se que as assertivas corretas são 02 + 04 + 08 + 16= 30.
Como pode ser visto, a assertiva 01 é incorreta, podemos explicar da seguinte forma:
Uma vez que no trecho, conseguimos identificar que existe sim uma semelhança entre as culturas africana e a europeia, e não como é apresentado na questão, em que se trata que existe um contraste.
Essa semelhança pode ser compreendida quando no texto, é relatado que o cântico que o personagem ouviu, o L’Opéra de Paris, era idêntico ao que já havia escutado de Nabucco, na roça de Porto Alegre, e mesmo que fosse em outra língua, era igual.
Assim como a assertiva 32 também é incorreta, já que o homem negro angolano não questiona a mobilidade social, e ela é realizada nas Roças de Porto Alegre.
Espero ter ajudado!
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