A última crônica
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto
ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva
me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano
nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia
apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao
episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina,
quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me
simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar,
curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na
lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou
sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os
assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos
acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede
de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras,
deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço
na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à
mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de
curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a
instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se
preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois
de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom,
inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob
a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se
aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do
homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os
lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o
garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a
porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-
escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua
expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à
sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha,
obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de
plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de
fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho.
Ninguém mais os observa além de mim. São três velinhas brancas,
minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto
ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um
gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força,
apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito
compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos:
"Parabéns para você, parabéns para você..." Depois a mãe recolhe as velas,
torna a guardá-las na bolsa.
1- Há uma passagem no texto que mostra o desprezo do dono do botequim
para com a família? Que parte é essa?
2- A crônica narra de forma artística e pessoal fatos do cotidiano. Que fatos
estão enfatizados nesta crônica?
3- Podemos dizer que esse texto leva o leitor a refletir criticamente sobre a
vida e o comportamento humano?
4- Analise a linguagem empregada na crônica, padrão culto, formal ou
informal? Se for possível, retire trechos que comprovem sua resposta.
Soluções para a tarefa
Respondido por
1
Resposta:
Resposta:1-a) a perspectiva de vida
b)porque ele esta tomando café sozinho
2-ele se referia as coisas boas da vida como ter amigos uma esposa uma amante uma escrava essas coisas q são boas q deixam a vida mais alegre
Explicação:
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