Português, perguntado por Usuário anônimo, 9 meses atrás

A mamadeira das duas da manhã

Amigos me mandam um cartão; mostra um pai de pijama, barbudo, defeito, segurando um bebê e a mamadeira. O cartão diz que muita coisa pode ser escrita a respeito da mamadeira das duas horas da manhã.

Presumindo que o pai barbudo seja eu, aceito o desafio: muita coisa pode ser dita a respeito das mamadeiras das duas da manhã. Nem tudo é publicado, naturalmente, mas aqui vão algumas das reflexões que me ocorrem.

Às duas da manhã a maior parte das pessoas de bom senso costuma estar dormindo. Fazem exceção os boêmios, os guardas-noturnos, os poetas muito inspirados e algumas outras categorias profissionais. Supondo que você faça parte da maioria silenciosa: lá está você mergulhado num sono reparador, sonhando com um cruzeiro de iate pelo Caribe. Está você encostado na amurada ao lado de uma bela mulher que pode ou não ser sua esposa, quando se ouve ao longe a sereia de um navio. Ruído incômodo, que você gostaria de não escutar; mas é impossível. Mesmo porque não se trata da sereia de nenhum navio. É o bebê, chorando. Está na hora da mamadeira.

A primeira coisa que acontece é uma discussão com sua mulher sobre quem deve ir atender o garoto. Nos tempos do chamado chefe de família, este debate não cabia: a mãe levantava e ia cumprir com sua obrigação. Hoje, quando as mulheres trabalham e estão conscientes de seus direitos, as coisas mudaram. Você argumenta, pondera os riscos do feminismo, alega que tem de trabalhar no dia seguinte, apela para os instintos maternais. Inútil. Você atira o cobertor para o lado (um movimento que exige especial resolução quando a temperatura ambiente aproxima-se de zero grau) e parte para o empreendimento, mas não sem antes dar uma topada com o dedão do pé na cama, evento que não contribui em nada para melhorar o seu bom humor. Ainda que cambaleante, você chega no berço e olha o bebê.

A disposição dele é completamente diferente da sua. O entusiasmo de seu choro é qualquer coisa de estarrecer. Se as massas oprimidasda América Latina gritassem desse jeito, você raciocina, as multinacionais estariam bem arranjadas.

O momento, contudo, não é para tais considerações. Você pega a mamadeira, que já está pronta - pelo menos previdentes vocês são - e a primeira coisa que faz é deixá-la cair no chão, onde imediatamente bilhões de bactérias tomam posse dela. Você tem de preparar outra mamadeira, usa para isto um frasco novo. Coloca lá dentro o leite, aquece-a, experimenta-a no dorso da mão, ignora a queimadura de terceiro grau que o líquido produziu, e vai firme para o bebê. Ele suga, esfomeado - mas aparentemente não consegue o que quer, poque continua gritando. O furo do bico é pequeno, você pensa, e aumenta-o. Nada. Você alarga mais o furo, transforma-o num rombo. Nada. Finalmente, você se lembra de tirar o disco de borracha que estava na base do bico. Agora sim, o leite jorra - como cascata, quase afogando o garoto. Você faz tudo de novo, e desta vez, sim, dá certo. O bebê toma o leite, enquanto você fica ruminando considerações sobre a vida, nenhuma delas particularmente otimista.

O fim da mamadeira é a sua libertação. Você pode voltar para a cama. Isto é, se o bebê permite. Há vezes em que ele continua chorando. Você tenta remédios para cólicas, você muda as fraldas (duvido que você ainda tenha vontade de comer abacate, depois de ver o que contêm) e o guri sempre chorando. Finalmente você é obrigado a concluir: você não sabe por que ele chora. Talvez a CIA consiga descobrir, mas você não tem o número de telefone deles.

Quando você já está pensando em fazer as malas e fugir para o Irã ou Polo Norte, ele de súbito deixa de chorar. Assim mesmo: para de chorar. Você suspira aliviado, toma o rumo da cama, dá a topada habitual e aí vê o relógio: sete horas. Está na hora de levantar.

Você faz a barba, toma café - tudo isso com olhos fechados - e antes de sair você ainda dá uma olhada no bebê.

Dorme tranquilamente, claro. E o sorriso que ostenta é definitivamente irônico e triunfante.

Vamos entender o texto

1- O narrador inicia sua história esclarecendo o motivo que o levou a escrevê-la. Que motivo foi esse?



2- Transcreva do texto um trecho que mostra que as responsabilidades do casal em relação ao filho são hoje diferentes do que eram no passado.



3- Releia esta passagem:

Você pega a mamadeira, que já está pronta - pelo menos previdentes vocês são - e a primeira coisa que faz é deixá-la cair no chão...

O narrador emprega o tempo todo o pronome você, mas no trecho entre travessões muda o tratamento para vocês. A quem se referem os pronomes você e vocês?





Soluções para a tarefa

Respondido por edilainedidi51
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Resposta:

queria te ajudar mais não entendi nada

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