a escravidão e as raizes da desigualdade no brazil
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Resposta:
Este artigo trata da questão de nossa desigualdade social, que tem sido o cartão de apresentação do Brasil ao mundo, enquanto a nossa moeda para uso interno se traduz no fetiche da igualdade. Ao adentrar nas raízes da desigualdade social na cultura política brasileira, tentei na verdade traçar um retrato da construção de nossa cidadania, que teve sua expressão primeira naquilo que nomeei como cidadania concedida. No âmbito da sociedade escravocrata os homens livres e pobres, sujeitos ao favor dos senhores de terras, amesquinharam-se na sombra de suas dádivas. A cultura política da dádiva sobreviveu ao domínio privado das fazendas e engenhos coloniais, sobreviveu à abolição da escravatura, expressou-se de uma forma peculiar no compromisso coronelista e chegou até nossos dias.
Abordo as raízes dessa cultura da dádiva, que é a expressão política de nossa desigualdade social, mediante a relação de mando/subserviência cuja manifestação primeira se deu no âmbito do grande domínio territorial que configurou a sociedade brasileira nos primeiros séculos de sua formação. A dádiva chega a nossa res publica substituindo os direitos básicos de cidadania, que não nos foram outorgados pelo liberalismo caboclo que aqui aportou na passagem do século. E, nessa medida, a saída para as relações de mando/ subserviência que estão na base da cultura da dádiva, contribuindo para aprofundar nossas desigualdades, tem se dado em duas direções: em situações de fuga ou itinerância por parte do trabalhador rural e das populações pobres em geral, do que a história das migrações internas no Brasil é o exemplo mais contundente; e na reificação em todas as situações, dos que permanecem no local de origem ou dos que buscam saída na itinerância, do fetiche da igualdade. O fetiche da igualdade, para a definição do qual me vali dos conceitos "democracia racial" de Gilberto Freyre e "homem cordial" de Sergio Buarque de Holanda, são os fatores mediadores de nossas relações de classe, que têm ajudado a dar uma aparência de encurtamento das distâncias sociais, contribuindo dessa forma para que situações de conflito freqüentemente não resultem em conflito de fato, mas em conciliação.
A cidadania concedida, que está na gênese da construção de nossa cidadania, está vinculada, contraditoriamente, à não-cidadania do homem livre e pobre, o qual dependia dos favores do senhor territorial, que detinha o monopólio privado do mando, para poder usufruir dos direitos elementares de cidadania civil. O rompimento com essa cidadania concedida dar-se-ia apenas com o amplo processo de expulsão do trabalhador rural para fora do grande domínio territorial nos idos dos anos de 1960. À abolição da escravatura, que poderia ser um marco para esse rompimento, seguiu-se o compromisso coronelista, ou, mais genericamente, os mecanismos de patronagem e clientelismo que marcaram toda a nossa Primeira República, contribuindo para perpetuar as bases sociais da cidadania concedida.
A cultura política de que trato caracteriza-se, diferentemente do enfoque em geral adotado nos estudos sobre cultura política e democracia, como uma espécie de cimento das relações de mando e subserviência, que fornece a base para a continuidade de tais relações, as quais, por sua vez, são associadas à cultura da dádiva. O Tocqueville que declarava ter escrito sobre seu país sem preconceitos, mas não sem paixão, dar-me-ia uma pista para observar os elementos presentes em nossa cultura política que representam continuidade em relação aos padrões de mando e subserviência de nosso passado. Um desses elementos de continuidade diz respeito à nossa estrutura agrária assentada no grande domínio territorial, que continuou praticamente intocada em vários pactos de poder. A análise desses elementos de continuidade na nossa cultura política mostrou-se relevante para o debate, que se pretende atual, da questão da cidadania e de suas relações com a pobreza.
Nesse sentido, acrescentaria ainda a estas. notas introdutórias que, como elemento subjacente às análises aqui. realizadas, onde aparece mais explicitamente um diálogo com alguns clássicos de nossa historiografia, existe uma pesquisa de campo em comunidades rurais beneficiárias de programas governamentais co-financiados pelo Banco Mundial na região Nordeste. Essa pesquisa foi feita no Cebrap durante o período de 1987 a 1989 e parte do ano de 1990. Realizei-a em várias idas a campo, quando entrevistei trabalhadores rurais, mediadores de programas governamentais, líderes comunitários e técnicos responsáveis pela implementação dos programas.
Explicação:espero ter ajudado