Vida nova
1
Começou a chinjanguila. Todos lá estavam, povo, guerrilheiros, responsáveis. Dos kimbos vizinhos tinham vindo cumprimentar o Comandante Mavinga. Chipoya também assistia, sentado numa cadeira. Estavam todos lá, menos Uassamba.
2
Ngunga saiu dali, ajudado pela noite e pela confusão, e voltou ao kimbo. Uassamba esperava-o. Meteram-se na mata, iluminados pela Lua cheia. Sentaram-se num tronco caído e ele pegou-lhe na mão. Ficaram assim calados, durante muito tempo, sentindo só o calor da mão do outro. Ngunga já não estava inquieto. Estava calmo, como quando chegava o momento de fazer o que era necessário fazer. Ela falou primeiro:
3
— Ngunga? Estive a pensar no que me disseste. Não pensaste bem. Não posso fugir contigo, embora gostasse. Os meus pais vão ter de pagar o alambamento que receberam, e eles são velhos. Não lhes posso fazer isso...
4
— Ora, tens pena deles? Não te venderam a um velho? É bem feito para eles. Se gostassem de ti, como bons pais, deixavam-te escolher o marido, não te obrigavam a...
5
— É o costume, Ngunga! Eles pensam que fazem bem. Eu não posso fazer-lhes isso.
6
Ele não respondeu. Tinha vontade de gritar, de insultar o Chipoya, os pais de Uassamba, os velhos que defendiam os costumes cruéis, os novos que não tinham coragem de os destruir. A voz dela era doce, a acariciá-lo. O nome dele tornava-se mel na boca dela:
7
— Ngunga? Tu és novo demais para te casares. Seria mau para ti. Agora seria bom, mas, mais tarde, ias arrepender-te. Também não te posso fazer isso. Temos a mesma idade, mas eu sou mais velha. Devo ver o que é bom e o que é mau para ti. Gostava de ir, é verdade. Mas não posso. Tu partirás, verás outras coisas, outras terras, outras raparigas. O pior é para mim, que fico aqui a aturar o Chipoya. Entre nós os dois, sou a mais infeliz, podes ter a certeza.
8
Não valia a pena falar mais. Tudo já estava decidido. Ele ainda era fraco para combater contra todos e mais as leis dos avós. O rio era largo demais, a corrente muito forte, os jacarés esfomeados. Ngunga estava nu, sem uma arma, enfraquecido pela sede. Não podia enfrentar o inimigo. Mavinga dissera que não era vergonha retirar...
9
— Que vais fazer? — perguntou.
10
— Vou para uma escola.
11
Calaram-se. As palavras não tinham sentido. Ngunga sempre desconfiara das palavras. Sobretudo em certos momentos.
12
O tempo passou sem que dessem conta. A chinjanguila continuava. A noite escondia-os, só o luar vinha espiá-los, passando entre os ramos das árvores.
13
De repente, Ngunga falou:
14
— Mudei muito agora, sinto que já não sou o mesmo. Por isso mudarei também o nome. Não quero que as pessoas saibam quem eu fui.
15
— Nem eu?
16
— Tu podes saber. Só tu! Se um dia quiseres, podes avisar-me para eu vir buscar-te. Escolhe o meu novo nome.
17
Uassamba pensou, pensou, apertando-lhe a mão. Encostou a boca no ouvido dele e pronunciou uma palavra. Mas fê-lo tão baixinho que o barulho da chinjanguila a cobriu e só Ngunga pôde perceber. Nem as árvores, nem as borboletas noturnas, nem os pássaros adormecidos, nem mesmo o vento fraquinho, puderam ouvir para depois nos dizer.
18
Ngunga só se despediu de Mavinga. Explicou-lhe por que queria ir secretamente. Pediu-lhe para não contar a ninguém aonde ia e não voltar a falar de Ngunga, que tinha morrido nessa noite inesquecível. E não revelou o seu novo nome ao Comandante.
19
Partiu sozinho para a escola.
20
Um homem tinha nascido dentro do pequeno Ngunga.
PEPETELA. Vida nova. In: Nós e os outros: histórias de diferentes culturas. São Paulo: Ática, 2001. (Para gostar de ler).
Glossário
Chinjanguila: nome de uma dança de roda dos povos mbunda e laxaze.
Kimbos: povoados.
Alambamento: dote.
Sobre o parágrafo 8, é correto afirmar que Ngunga
A
quer fugir pelo rio, mas se acovarda diante dos riscos da travessia.
B
teme que as pessoas que dançam a chinjanguila os encontrem nus à beira do rio.
C
em desespero, usa linguagem simbólica para refletir sobre sua situação.
D
imagina perigos para desculpar sua covardia e vencer sua vergonha.
Soluções para a tarefa
Respondido por
9
Resposta:
c
Explicação:
plurall
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