Versos Íntimos
Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera-
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
1-Do ponto de vista formal, o texto se caracteriza como um soneto clássico. Justifique essa afirmação, considerando o esquema métrico ao esquema rímico nele presentes.
2-Desde a primeira estrofe, percebe-se que o sujeito lírico relaciona a vida social do homem à vida dos animais selvagens, por meio de imagens que lembra o estilo naturalista, em seu determinismo cientificista e em seu materialismo. Que palavras da segunda estrofe melhor confirma essa afirmação?
3-Os versos que indicam a segunda e a terceira estrofe possuem um tom de conselho ou ordem, que é reiterado no desfecho do poema.
a-Que característica permite associar o conselho ou ordem da segunda estrofe ao Naturalismo?
b-Repare que o conselho ou ordem da terceira estrofe introduz no poema, de forma inesperada, um tom prosaico, de conversa cotidiana. O verso surpreende o leitor de forma irônica e provocativa, fazendo lembrar o realismo psicológico de Machado de Assis. Releia as duas estrofes finais e, a partir delas, explique o sentido da utilização desses recursos no referido verso.
c-Que modo verbal foi utilizado para expressar o tom de conselho ou ordem dos versos iniciais da segunda e terceira estrofes?
4-O vocabulário do poema o leitor acostumado com a poesia parnasiana, incluindo expressões que, do seu ponto de vista, podem ser consideradas “não-poéticas”. Identifique expressões desse tipo na terceira e na quarta estrofes e explique por que não poderiam ser consideradas poéticas, no contexto do Parnasianismo dominante na época?
5-Observe que, no poema, homem, vida social, amizade, solidariedade, afeto (beijo, mão que afaga) transformam-se em ingratidão, terra miserável, fera, desafeto ( escarro, mão que apedreja). Nessa perspectiva, tente interpretar sua estrofe final.
a-Que ações o sujeito lírico recomenda ao leitor?
b-Numa leitura mais profunda, poderíamos pensar que o sujeito lírico estaria nos advertindo, precavendo-nos contra aquilo que parece nos ordenar, aconselhar a fazer. Que recurso estilísticos presentes em todo o texto permite esse interpretação? Por quê?
Soluções para a tarefa
1 - O soneto possui uma etruturação bem definida, sendo formado por quatro estrofes, sendo duas de quatro versos e duas de três, com rimas regulares e os versos decassílabos, ou seja, com dez sílabas poéticas (para contar, é só definir a última sílaba tônica do verso e contar até ela).
Todas as características acima estão presentes no poema de Augusto dos Anjos.
2 - As palavras são: lama, terra miserável e fera; que levam a pensar no estilo naturalista.
3 - a) Os verbos se encontram no imperativo, que levam a pensar no determinismo típico da poesia naturalista (mas Augusto dos Anjos não era naturalista)
b) Há uma quebra de expectativa, pois o autor utiliza um vocabulário diferente do que é usual, um vocabulário sarcástico e irônico, que provoca. Além disso, o final acaba dando a entender que o homem deve se preparar para as mazelas que ainda hão de ocorrer, da crueldade da realidade.
c) O modo imperativo.
4 - O parnasianismo foi um movimento que procurava resgatar os ideias clássico da poesia, portanto muitas palavras utilizadas no poema não são típicas desse movimento: "a véspera do escarro", "apedreja essa mão vil" e ""escarra nessa boca que te beija".
5 - a) Que antes que ele seja maltratado, ele tome a frente e não deixe que isso ocorra, afinal o mundo é um lugar cruel e não se deve deixar enganar por afagos e beijos. Ou seja, apedrejar a mão que afaga, escarrar na boca que o beija.
b) A ironia.
Espero ter ajudado^^