Vagabundagem universitária começa no trote
1 Todo começo de ano é a mesma cena: calouros de
universidades, as cabeças raspadas e as caras pintadas,
incitados ou obrigados por veteranos, ocupam os sinais
de trânsito pedindo dinheiro aos motoristas. É uma das
5 formas do chamado ‘trote’, o mais artificial dos ritos
de iniciação da mais artificial das instituições contem-
porâneas — a universidade.
O trote nada mais é do que o retrato da alienação
em que vivem esses adolescentes das classes favoreci-
10 das. Com tempo de sobra, eles não têm em que empre-
gar tanta liberdade.
Ou querem dizer que essas simples caras pintadas
têm qualquer simbologia semelhante à das máscaras
de dança das tribos primitivas estudadas por Lévi-
15 -Strauss?
Para aquelas tribos índias, as máscaras eram o ates-
tado da onipresença do sobrenatural e da pujança dos
mitos. Mas esses adolescentes urbanos não têm tanta
complexidade. Movido a MTV e shopping centers, o
20 espírito deles vive nas trevas. A ausência de conheci-
mento e saber limita-lhes os desejos e as atitudes.
Em tempos mais admiráveis, ou em sociedades
mais ideais, essa massa de vagabundos estaria ajudan-
do a cortar cana nos campos, envolvidos com a refor-
25 ma agrária, em programas de assistência social nas fa-
velas ou com crianças de rua, ou mesmo explorando
os sertões e florestas do país, como faziam os estudan-
tes do extinto projeto Rondon.
Hoje, mais do que nunca, há uma tendência — ca-
30 racterística da mentalidade das elites da economia ca-
pitalista — de adulação da adolescência, de excessivo
prolongamento da mesma e da excessiva indulgência
para com esse período tido como ‘de intensos proces-
sos conflituosos e persistentes esforços de autoafir-
35 mação’.
Desde adolescente, sempre olhei com desprezo es-
se tratamento que se pretende dar à adolescência (ou
pelo menos a certa camada social adolescente): um cui-
dado especial, semelhante ao que se dá às mulheres
40 grávidas. Pois é exatamente esse pisar em ovos da so-
ciedade que acaba por transformar a adolescência num grande vazio, numa gravidez do nada, numa angustian-
te fase de absorção dos valores sociais e de integração
social.
45 Se os adolescentes se ocupassem mais, sofreriam
menos — ou pelo menos amadureceriam de verdade,
solidários, ocupados com o sofrimento real dos outros.
Mas não, ficam vagabundando pelos semáforos
das cidades, catando moedas para festas e outras levi-
50 andades. E o que é pior, sentindo-se deuses por terem
conseguido decorar um punhado de fórmulas e datas
e resumos de livros que os fizeram passar no teste pa-
ra entrar na universidade.
A mim — que trabalhava e estudava ao mesmo tem-
55 po desde os 15 anos — causava alarme o espírito de
vagabundagem que, cultuado na adolescência, vi pro-
longar-se na realidade alienada de uma universidade
pública.
Na Universidade de São Paulo, onde estudei, os fi-
60 lhos dos ricos ainda passam anos na hibernação ado-
lescente sustentada pelo dinheiro público.
(Marilene Felinto, In: Folha de S.Paulo, 25/02/1997.)
A expressão em destaque em “Hoje, mais do que nunca,
há uma tendência [...]” (linha 29) pode ser substituída por:
A) literalmente.
B) especialmente.
C) obviamente.
D) evidentemente.
E) necessariamente.
Soluções para a tarefa
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a resposta correta é a B) especialmente.
"Hoje, especialmente, há uma tendência..."
"Hoje, especialmente, há uma tendência..."
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A LETRA B-EVIDENTEMENTE
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