(UERJ/2020) - Leia mais um trecho do conto “Hora
de alimentar as serpentes”, de Marina Colasanti.
PESCANDO NA MARGEM DO RIO
1 Era um homem muito velho, que cada manhã
acordava certo de que aquela seria a última. E porque
2 seria a última, pegava o caniço, a latinha de iscas, e
ia pescar na beira do rio. As poucas pessoas 3 que
ainda se ocupavam dele reclamaram, a princípio.
Que aquilo era perigoso, que ficava muito só, 4 que
poderia ter um mal súbito. Depois, considerando que
um mal súbito seria solução para vários 5 problemas,
deixaram que fosse, e logo deixaram de reparar
quando ia. O velho entrou, assim, na 6 categoria dos
ausentes.
7 Ausente para os outros, continuava docemente
presente para si mesmo.
8 Ia ao rio com a alma fresca como a manhã.
Demorava um pouco a chegar porque seus passos
eram 9 lentos, mas, não tendo pressa alguma, o
caminho lhe era só prazer. Não havia nada ali que
não 10 conhecesse, as pedras, as poças, as árvores, e
até o sapo que saltava na poça e as aves que
cantavam 11 nos galhos, tudo lhe era familiar. E
embora a natureza não se curvasse para
cumprimentá-lo, sabia-se 12 bem-vindo.
13 O dia escorria mais lento que a água. Quando
algum peixe tinha a delicadeza de morder o seu 14
anzol, ele o limpava ali mesmo, cuidadoso, e o
assava sobre um fogo de gravetos. Quando nenhuma
15 presença esticava a linha do caniço, comia o pão
que havia trazido, molhado no rio para não ferir 16 as
gengivas desguarnecidas.
17 À noite, em casa, ninguém lhe perguntava como
havia sido o seu dia.
18 Fazia-se mais fraco, porém.
19 E chegou a manhã em que, debruçando-se sobre a
água antes mesmo de prender a isca na barbela 20
afiada, viu faiscar um brilho novo. Apertou as
pálpebras para ver melhor, não era um peixe.
Movido 21 pela correnteza, um anzol bem maior do
que o seu agitava-se, sem isca. Por mais que se
esforçasse, 22 não conseguiu ver a linha, enxergava
cada vez menos. Nem havia qualquer pescador por
perto.
23 O velho não descalçou as sandálias, as pedras da
margem eram ásperas.
24 Entrou na água devagar, evitando escorregar. Não
chegou a perceber o frio, o tempo das percepções 25
havia acabado. Alongou-se na água, mordeu o anzol
que havia vindo por ele, e deixou-se levar.
O conto constrói um paradoxo, que está formulado
em
(A) o velho rejuvenesce.
(B) o peixe se torna isca.
(C) o pescador é pescado.
(D) a natureza se artificializa.
(E) passos lentos, mas não tendo pressa.
Soluções para a tarefa
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9
Letra C
Espero ter ajudado!
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