Sociologia, perguntado por maresia120, 1 ano atrás

Texto sobre a violência do estado!

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Respondido por bruno1545
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A maior de todas as violências do Estado é o próprio Estado. Ele é, antes de tudo, uma força que sai da sociedade e se volta contra ela como um poder estranho que a subjuga, um poder que é obrigado a se revestir de aparatos armados, de prisões e de um ordenamento jurídico que legitime a opressão de uma classe sobre outra. Nas palavras de Engels é a confissão de que a sociedade se meteu em um antagonismo inconciliável do qual não pode se livrar, daí uma força que se coloque aparentemente acima da sociedade para manter tal conflito nos limites da ordem.

A ideologia com a qual o Estado oculta seu próprio fundamento inverte este pressuposto e o apresenta como o espaço que torna possível a conciliação dos interesses que na sociedade civil burguesa são inconciliáveis. A contradição existe no corpo da sociedade dividida por interesses particulares e individuais, enquanto o Estado, ao gosto de Hegel, seria o momento ético-politico, a genericidade como síntese da multiplicidade dos interesses. A este momento político universal se contrapõe o dissenso, a rebeldia, o desvio e este deve ser contido nos limites da ordem, do que resulta que todo Estado é o exercício sistemático da violência tornada legítima.

Desde Maquiavel que a teoria política moderna sabe que a violência não pode ser o instrumento exclusivo do Estado, o uso adequado da violência (para Maquiavel aquele que atinge o objetivo de conquistar e manter o Estado) deve ser combinado com as formas de apresentá-lo como legítimo, o que nos leva à síntese entre os momentos de coerção e consenso, a famosa metáfora maquiaveliana do leão e da raposa. Poderíamos dizer que a violência só é eficaz quando envolvida por formas de legitimação da mesma forma que os instrumentos de consenso pressupõem e exigem formas organizadas de violência. O leão e a raposa são igualmente predadores, suas táticas é que diferem.

A separação entre violência e consentimento, entre coerção e consenso, serve às vestes ideológicas que procuram apresentar o Estado como uma função necessária e incontornável da sociabilidade humana. Nesta leitura ideológica, uma vez constituída a sociabilidade sobre as formas consensuais expressas no ordenamento jurídico, nas normas morais e imperativos éticos aceitos e compartilhados, a violência fica como uma espécie de reserva de segurança para conter os casos desviantes. Assim, a violência é apresentada como exceção e o consentimento como cotidianidade. O Estado é a garantia que a violência será coibida.

Nada mais enganador. A violência é resultante da contradição inconciliável que fundamenta nossa sociabilidade e portanto ela é cotidiana, onipresente e inevitável. Ainda que disfarçada de formas não explícitas como nos consensuais procedimentos legais e fundamentos jurídicos, como valores morais ou formas aceitas de ser e comportar-se. Até Durkheim sabia disso quando afirmava que as formas de ser, agir e pensar são impostas coercitivamente e se não percebemos esta coerção nas formas cristalizadas como hábitos não é porque ela não exista, mas porque já foi realizada com eficiência.

Mesmo a violência explícita é cotidiana. Ela é explícita e invisível, se mostra para ocultar-se. No preconceito que segrega, na miséria que aparta, na polícia que prende, tortura e mata, na moradia que se afasta, nas portas que se fecham, nos olhares que se desviam. Na etiqueta de preço nas coisas feitas em mercadorias que proíbem o acesso ao valor de uso, no mercado de carne humana barata na orgia de valorização do valor, sangue que faz o corpo do capital manter-se vivo.

Mas ela também é explícita e visível. No tapa da cara do trabalhador na favela dado por um homem de farda e armado. Na fila de cara para o muro sendo apalpados, nos flagrantes forjados ou não, no saco de plástico na cabeça, na porrada, no chute na cara, no choque nos testículos. Na cabeça para baixo, olhos para o chão, mãos na cabeça, coração acelerado. Na humilhação de ser jogado no camburão, na delegacia, como carga de corpos violentados nos presídios, longe de direitos e mesmo de procedimentos elementares, muito longe de recursos e embargos infringentes.
Um doente aidético, chora em sua cama na enfermaria do antigo presídio do Carandiru e atrapalha o sono do agente penitenciário. É espancado em sua cama com um cano de ferro. O cano da arma na boca da criança que dorme nos degraus da igreja na Candelária. O viciado arrastado à força para o “tratamento”. O louco impregnado de medicamentos. A família que vê o trator derrubar sua casa na remoção para viabilizar a Copa do Mundo de futebol. A mãe que reconhece o corpo de seu filho assassinado no mato e ouve do delegado para deixar quieto e não fazer ocorrência. Ela parou de falar, obedeceu.

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