Texto: Santos nomes em vão
Drama verídico e gerado por virgulazinhas mal postas, cúmplices de tantas reticências.
Praxedes é gramático. Aristarco também. Com esses nomes não poderiam ser cantores de rock. Os dois trabalham num jornal. Praxedes despacha as questiúnculas à tarde. Aristarco, à noite. Um jamais concordou com uma vírgula sequer do outro, e é lógico que seja assim. Seguem correntes diversas. A gramática tem isso: é democrática. Permitindo mil versões, dá a quem sustenta uma delas o prazer de vencer.
Praxedes é um santo homem. Aristarco também. Assinam listas, compram rifas,ajudam quem precisa. E são educados. A voz dos dois é mansa, quase um sussurro.Mas que ninguém se atreva a discordar de um pronome colocado por Praxedes. Ou de uma crase posta por Aristarco. Se a conversa ameaça escorregar para os verbos defectivos ou para as partículas apassivadoras, melhor escapar enquanto dá. Porque aí cada um deles desanda a bramir como um leão. [...]
Para que os dois não se matem, o chefe pôs cada um num horário. Praxedes, mais liberal (vendilhão, segundo Aristarco),trabalha nos suplementos do jornal, que admitem uma linguagem mais solta. Aristarco, ortodoxo (quadradão, segundo Praxedes) assume as vírgulas dos editoriais e das páginas de política e economia. [...]
Sempre estiveram a um passo do quebra-pau. Hoje, para festa dos ignorantes e dos mutiladores do idioma, parece que finalmente vão dar esse passo. É dia de pagamento e eles se encontram na fila do banco. Um intrigante vem pondo fogo nos dois há já um mês e agora ninguém duvida: nunca saberemos quem é o melhor gramático, mas hoje vamos descobrir quem é o mais eficiente no braço.
Aristarco toma a iniciativa. Avança e despeja:
- Seu patife, biltre, poltrão, pusilânime.
Praxedes responde à altura:
- Seu panaca, almofadinha, calhorda, caguincha.
Aristarco mete o dedo no nariz de Praxedes:
- É a vossa progenitora!
Praxedes toca o dedo no nariz de Aristarco:
- É a sua mãe!
Engalfinham-se, rolam pelo chão, esmurram-se.
Quando o segurança do banco chega para apartar, é tarde, Praxedes e Aristarco
estão desmaiados um sobre o outro, abraçados, como amigos depois de uma bebedeira.
O guarda pergunta à torcida o que aconteceu. Um boy que viu tudo desde o início explica:
- Pra mim, esses caras não é bom de bola. Eles começaram a falá em estrangeiro, um estranhô o outro, os dois foram se esquentando, esquentando, e aí aquele ali, ó, que também fala brasileiro, pôs a mãe no meio. Levô uma bolacha e ficô doido: enfiô o braço no focinho do outro. Aí os dois rolô no chão.
Para a sorte do boy, Aristarco e Praxedes continuavam desacordados.
2. Ao longo da crônica,o narrador faz pequenos comentários e emprega determinadas palavras e expressões que revelam o posicionamento dele em relação aos dois personagens.
a) O narrador é favorável ou contrário ao modo como Praxedes e Aristarco veem a gramática?Justifique com passagens do texto.
b) No quinto parágrafo, o narrador usa a expressão “dos ignorantes e dos mutiladores do idioma”. Levando em conta a resposta do item anterior, explique se esse posicionamento é parte do discurso do próprio narrador ou se ele parodia (imita de forma cônica, irônica) o
discurso dos dois gramáticos.
Soluções para a tarefa
Conforme o enunciado, compreende-se que o texto tratado é de uma crônica denominada Santos nomes em vão, de Raul Drewnick.
Sobre a crônica, podemos dizer que o autor é contrário ao mundo como enxergam os personagens, que mesmo sendo sabedores da língua culta, não conseguiram se entender e acabaram brigando.
"Quando o segurança do banco chega para apartar, é tarde, Praxedes e Aristarco
estão desmaiados um sobre o outro, abraçados, como amigos depois de uma bebedeira."
E o humor fica por conta do motoboy, que considerado uma pessoa "não falante da norma culta", com um vocabulário cheio de gírias, que para os personagens, não são corretos. É quem foi capaz de explicar a situação, mas claro, do seu jeito.
"- Pra mim, esses caras não é bom de bola. Eles começaram a falá em estrangeiro, um estranhô o outro, os dois foram se esquentando, esquentando, e aí aquele ali, ó, que também fala brasileiro, pôs a mãe no meio. Levô uma bolacha e ficô doido: enfiô o braço no focinho do outro. Aí os dois rolô no chão"
Com isso, a mensagem que entendemos é que, não existe um certo e um errado na Língua Portuguesa, existe uma variante linguística, em que entendemos que existe um momento ou situação para cada uso da língua.
Desta forma, a comunicação mais eficiente foi a do motoboy, que mesmo sem entender o "brasileirô", ou seja, não entendia a sua própria língua falada pelos gramáticos, conseguiu atingir a comunicação eficaz.
B. Entende-se que o autor faz uma paródia em relação ao pensamento dos dois gramáticos. É uma crítica da maneira que ambos pensam. Então quando ele fala “dos ignorantes e dos mutiladores do idioma”, entende-se que é uma referência aos personagens, já que é uma visão um tanto quanto preconceituosa.
Espero ter ajudado!
2) Ao ler a crônica "Santos nomes em vão", podemos afirmar o seguinte:
a) O autor é contrário ao modo como Praxedes e Aristarco veem a gramática. Trecho: "Um jamais concordou com uma vírgula sequer do outro, e é lógico que seja assim. Seguem correntes diversas. A gramática tem isso: é democrática. Permitindo mil versões, dá a quem sustenta uma delas o prazer de vencer."
b) O autor faz uma paródia da maneira como os personagens pensam, já que são gramáticos ferrenhos e brigam por qualquer coisa relacionada à língua portuguesa.
Para responder essas perguntas, é preciso identificar o tema e entender o humor presente, ou seja, interpretar o texto. É importante ler com calma e atenção, sublinhando os trechos mais importantes. A crônica descreve dois homens, gramáticos, que trabalham em um jornal. Cada um tem uma visão acerca da gramática que, apesar de válida, acaba afastando os dois do restante da população, que fala um português mais informal.
Vamos às questões:
a) O autor discorda dos personagens porque considera que a gramática é democrática, ou seja, aceita mil versões, muitas visões. Já Aristarco e Praxedes acreditam que apenas a visão de cada um está correta, enxergando a gramática como algo rígido, não inclusivo.
b) Como o autor considera a gramática democrática, ele nunca ofenderia quem não conhece a língua culta. Dizer que pessoas são ignorantes e mutiladores do idioma é acreditar que só há uma forma correta de se expressar, tanto falando, quanto escrevendo. E essa é a visão dos personagens. Tanto não é a visão do autor, que ele, ao fim, traz o discurso do boy, que fala de maneira bastante informal.
Para saber sobre interpretação de texto, que vai te ajudar a compreender os textos dos autores citados nas questões e responder às perguntas, acesse: brainly.com.br/tarefa/20529103