texto de Jorge Lima O cururu?
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O Cururu: “O coro imenso continuava sem dar fé do que acontecia a um de seus cantores”
Xapuri 30.03.2018 Cultura, Literatura 2383
O Cururu
Por Jorge de Lima (in memoriam)
“O coro imenso continuava sem dar fé do que acontecia a um de seus cantores.”
Tudo quieto, o primeiro cururu surgiu na margem, molhado, reluzente na semi-escuridão. Engoliu um mosquito; baixou a cabeçorra; tragou um cascudinho; mergulhou de novo, e bum-bum! Soou uma nota soturna do concerto interrompido.
Em poucos instantes, o barreiro ficou sonoro, como um convento de frades. Vozes roucas, foi-não-foi, tãs-tãs, bum-buns, choros, esguelamentos finos de rãs, acompanhamentos profundos de sapos, respondeiam-se. Os bichos apareciam, mergulhavam, arrastavam-se nas margens, abriam grandes círculos na flor d’água. (…)
Daí a pouco, da bruta escuridão, surgiram dois olhos luminosos, fosforescentes, como dois vagalumes. Um sapo cururu grelou-os e ficou deslumbrado, com os dois olhos esbugalhados, presos naquela boniteza luminosa. Os dois olhos fosforescentes aproximavam-se mais e mais, como dois pequenos holofotes na cabeça triangular da serpente. O sapo não se movia, fascinado.
Sem dúvida queria fugir; previa o perigo, porque emudecera; mas já não podia andar, imobilizado; os olhos feiíssimos, agarrados aos olhos luminosos e bonitos como um pecado. Num bote a cabeça triangular abocanhou a boca imunda do batráquio. Ele não podia fugir àquele beijo.
A boca fina do réptil arreganhou-se desmesuradamente; envolveu o sapo até os olhos. Ele se baixava dócil entregando-se à morte tentadora, apenas agitando as patas sem provocar nenhuma reação ao sacrifício. A barriga disforme e negra desapareceu na goela dilatada da cobra. E, num minuto, as perninhas do cururu lá se foram, ainda vivas, para as entranhas famélicas. O coro imenso continuava sem dar fé do que acontecia a um de seus cantores.