texto da formiga é o lixo
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e o que tem que fazer
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Formiga e lixo
Caía um aguaceiro aquela tarde. Ela correu para se esconder debaixo da marquise. Encolhida, arrepiada, tentava se envolver com os seus próprios bracinhos para se proteger da friagem que as parcas e rotas vestes não evitavam.
Vi nos seus tímidos olhinhos pretos algo como um pedido humilde de desculpa, de licença para ficar ali, ao meu lado, como se fosse eu o dono da loja fechada, da vitrine ou do mundo. Afaguei-lhe os cabelos crespos, salpicados de gotículas muito claras, e ela agradeceu com um sorrisinho medroso.
Ficou quieta depois, apenas olhando impassível a chuva, que agora caía calma, sem vento para balançar placas e árvores.
Num pequeno pedaço de minuto, meu pensamento transportou-me a inumeráveis situações que eu vivera na infância, em dias de chuva, mas todas me pareceram adocicadas demais ante aquele corpinho franzino que se encolhia trêmulo ao meu lado. Fechando os olhos por um instante, vi-me de novo à janela do meu quarto (num tempo em que os quartos tinham janelas que davam para quintais), saboreando o cheiro da chuva nova de setembro, e bebendo com os olhos as gotículas brilhantes nas folhas do mamoeiro. Abrindo os olhos, vi de novo umas gotinhas brilhantes, só que nos cabelos crespos daquela criaturinha, em cujos olhos não vislumbrei devaneios nostálgicos, apenas a espera atenta pela estiagem; a expectativa de que, logo, logo, pudesse atravessar correndo a rua e seguir seu destino sem sonhos. Haveria em algum outro lugar um pedaço de pão, ou um cantinho quente para abrigá-la.
De qualquer modo ela tinha de ir. Os seus olhos inquietos estavam a me dizer que ela tinha de estar sempre indo, simplesmente indo; diziam-me os seus olhos inquietos que para ela não existia um aonde, existia apenas um ir intransitivo. Uma vida sem sonhos é um ir intransitivo, filosofei em silêncio, tentando, contudo, teimosamente imaginar um possível “aonde” para aquela pequena.
- Vai para casa? - perguntei, só para puxar assunto. E quase no mesmo instante me arrependi. Seus olhos já me haviam dito também que ela não tinha casa. Quem não tem um aonde, não pode ter uma casa. Como resposta obtive apenas um olhar ressentido.
- Desculpe. Para onde você vai? - arrisquei de novo, ainda querendo que houvesse um aonde.
- Não sei... Tá muito frio.
- Está com fome?
- Não, comi muito hoje. Foi dia de feira. Dia de feira sobra muita coisa e eles dão pra gente.
- E nos outros dias?
- Ah, eu peço resto de comida. Tem gente que dá, tem gente que não dá. Mas é melhor do que catar no lixão.
- Você já catou no lixão?
- Muito; eu, minha mãe e meu pai.
- E onde estão os seus pais?
- Os dois morrero, lá no lixão mesmo. Morrero de tanto que bebero. Eles bebia muito. Quando não tinha pinga, até alco mesmo servia. Morrero junto, lá no lixão. Aí eu desci pra cidade, não quis saber mais do lixão.
- E você tem irmãos?
- Meus irmão morrero tudo pequeno. Nascia e morria. Só eu que escapei. Agora tô aqui.
- E onde você dorme?
- Ah, eu procuro um canto e deito. Hoje tá frio, vou ver se ganho uma coberta. Se não ganhar, não vou deitar não, pra não pegar pneumonia.
Eram tão cruas aquelas palavras que eu mal podia crer que as proferiam lábios tão tenros. O tom de voz era tão natural que quase me fazia crer que ela se esquecera de sofrer. No entanto, um sentimento indomável de ternura se apossou de mim, enquanto ouvia aquela pessoinha valente, aquela formiguinha estoica, cuja família morrera no lixão.
Quis abraçá-la, mas não conseguia. Era como se eu temesse macular sua candura com alguma carga suja, infecta que eu devia trazer comigo. Talvez meus negócios ilícitos, minha consciência, minha mesquinhez. O fato é que não pude tocá-la naquele momento. Apenas permaneci fitando-a, com um misto de ternura e reverência. Sentia-me pequeno diante da formiguinha.
Também me ocorreu oferecer-lhe algo. Mas o quê? Ela não parecia precisar de nada. O necessitado ali era eu. Ela poderia dar-me colo, acalentar talvez em mim todos os anseios e medos mesquinhos que os anos não haviam atenuado.
Assim, sem nada para dar-lhe, deixei que ela seguisse seu destino.
A chuva agora era uma quase imperceptível garoa. O frio, contudo, aumentara. Ela precisava ir. Alguém lhe daria um cobertor.
Na rua larga o tráfego era intenso. Ela se despediu e avançou para a calçada. Olhou-me mais uma vez, antes de se precipitar entre os carros. Vinha veloz um caminhão. Era muito grande o veículo, e o seu peso aliviou todas as dores cristalizadas naquele peito infantil. Ela morreu esmagada, como costuma acontecer com formigas que se metem com o bicho homem.
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